quinta-feira, 27 de outubro de 2016

(“O CEMITÉRIO DOS VIVOS”, LIMA BARRETO”): (“O PRÉ-MODERNO MAIS MODERNO QUE MUITO MODERNISTA”)

(“O CEMITÉRIO DOS VIVOS”, LIMA BARRETO”):



(“O PRÉ-MODERNO MAIS MODERNO QUE MUITO MODERNISTA”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).

“Vicente Mascarenhas = Lima Barreto, aquela personagem é a máscara narrativa romanceada de memórias ficcionalizadas, das experiências vividas pelo escritor Lima Barreto, durante sua estadia no Hospício da Praia Vermelha, por diversos fatores. Deste o relativo fracasso literário, devido muito ao preconceito que tinham a ele, por ser mulato. Ou seja, o meio crítico literário, do século XIX era muito preconceituoso, mudou muito no século XXI, na sociedade como um todo?
Uma máscara narrativa que machuca, doí e comove o leitor, independe de ser ou não o próprio Barreto -, pois este ou Mascarenhas, junto a outros internos, conhecidos até de Mascarenhas/Barreto, fora do Hospício, incluído até enfermeiros e médicos que o conheciam até como escritor, de fora do Manicômio -; alguns, é verdade, fingiam o não reconhecer, outros o tratavam de maneira respeitosa e de igual para igual -; porém, no geral, trata-se de pessoas no mais absoluto descaso, abandono e passando por privações e humilhações, por causa de uma suposta 'loucura'.
Às vezes a crise de sandice ou delírio é isolada não precisava a internação de muitos deles, mas o preconceito daquela época, será que mudou muito? Era que doente mental tem que ser isolado, teve crise então de violência, agressão física ou verbal, então, leva!
E não solta nunca mais!
Foi o caso de Barreto/Mascarenhas misturado a vagabundos e tratado como um; alcoólico, que se transformou devido ao já relatado mal digerido fracasso literário, não por má qualidade de seus escritos, mas por preconceito de cor, misturado a epiléticos, outros alcoólicos, leprosos, tuberculosos, maiores e menores de idade, mulheres e homens, assassinos e estupradores, ladrões, enfim não era hospício, ou clínica para doentes mentais, mas um depósito humano, ou melhor de bichos humanos. O cemitério dos vivos, ou dos vivos-mortos, ou ainda mortos-vivos, tema até dos Zumbis de George A. Romero, não mudou muito, hein?
Outras causas para a ‘loucura’ ou alcoólico de Barreto/Mascarenhas: loucura da sogra, morte da esposa, analfabetismo do filho deles, por doença mental do filho do casal, etc.
Mas a personagem/máscara narrativa semiautobiográfica é muito sincera ao revelar que não cuidava ou tratava muito bem sua esposa, que o idolatrava, a Efigênia, sempre o apoiando, e isso ele não valorizava, só depois do surto, e das várias internações, efetivadas e levadas a efeito pelo sobrinho de Vicente Mascarenhas, do qual este cuidava, antes das internações, contudo o sobrinho nunca desamparou o tio. Diferente do que acontecia muito a época e até hoje é normal, por exemplo ‘largar’ os pais enfermos e idosos nas clínicas de ‘repouso’, mandar o cheque e pronto, não é?
Barreto, agora como escritor aproveita para defenestrar os pseudos tratamentos psiquiátricos da época, Pinel vai junto. Além de defenestrar a crítica literária brasileira da época. Como Romero e Veríssimo, sem citá-los nominalmente, mas ao se referir ao determinismo de Taine: meio, raça e momento histórico; indiretamente defenestra também as teorias médicas de Dr. Bernard. E o estilo literário naturalista científico baseado no determinismo de Taine, como escritores do naipe de Zola e seu romance experimental, Balzac, Aluísio Azevedo, etc.
Valoriza literariamente os românticos brasileiros. Tece certa crítica ao Parnasiamo meramente formal e descritivista e ao simbolismo decadente, por exemplo, faz referências a um Maeterlinck, simbolista francês transcendelista, mas muito hermético.
Barreto aproveita para fazer uma espécie de romance ou narrativa confessional de formação, de sua formação literária, modernista, de uso do coloquial da língua brasileira, temas brasileiros e de crítica social profunda e aguçada, marcada por uma ironia destrutiva e ferina, é o caso aos manicômios do Rio de Janeiro do século XIX, e todo o tratamento ‘psiquiátrico’ que se fazia, supostamente, no mudo aos doentes mentais, àquela época.
Detona o Positivismo filosófico de Comte. Ao propor uma atitude filosófica, literária e de vida, após as decepções, amarguras e provações da vida, Mascarenhas/Barreto, também ao se referir às suas várias internações no hospício, afirma várias vezes, que o correto como ser humano é reconhecer os erros cometidos por você e por motivações suas mesmo, a culpa é sua, basicamente ele afirma isso, você tem que se resolver com a sua culpabilidade, ou pelo menos, aceitar que o motivo de vários fatos de desgraça em sua existência terem motivos diretos ou indiretos proporcionados por você mesmo.
Uma maneira até estoica de encarar a realidade humana e sua vida como um todo, de certa forma vai ao encontro ao que o eu-lírico de Manuel Bandeira, no século XX, propõe: contemplação, busca da conformação, mas sem evasão, porém, viver com inquietação e enfretamento da vida, viver a vida cero da morte, mas certo de que é vivendo que se morre, mas por outro lado se vive, alegrias e tristezas, amor e dor, felicidade e amargor, dualidade romântica alemã dinâmica, típica da literatura e projeto literário dos dois autores brasileiros; ao fim, a chegada da Morte, tu estás preparado para patir, certo da efemeridade e brevidade e fugacidade da vida, mas que esta foi vivida em plenitude, em que transcendes epifanicamente, se elevando, para citar mis uma vez Bandeira, alumbradamente a um plano de vida-morte e morte-vida, não cristão e ou espírita, mas de devir contínuo no Cosmos.

Barreto acreditava de certa forma nessas teorias contemplativas e estoicas e de dualidade dinâmica, o que o fez aceitar as internações, superar a ‘loucura’, e, as crises alcoólicas. E produzir uma obra literária densa e qualitativamente repleta de literalidade, que é um legado da Literatura Portuguesa, para todo o sempre. Lido até hoje no século XXI, dado, por exemplo, a universalidade deste clássico que é O cemitério dos vivos, entre outras narrativas, contos, romances, etc.”  



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

““Berlin Alexanderplatz” (“Berlin Alexanderplatz”) (1980): As adaptações da Literatura para o Cinema: a obra-prima fassbinderiana: “Berlin Alexanderplatz” (1980)

““Berlin Alexanderplatz” (“Berlin Alexanderplatz”) (1980):

·         As adaptações da Literatura para o Cinema: a obra-prima fassbinderiana: “Berlin Alexanderplatz” (1980):



 ““Berlin Alexanderplatz” é outra grande adaptação literária de Fassbinder, baseado no romance de Alfred Döblin; assim como outra obra-prima do mesmo diretor alemão, “Effi Briest”, (1974), que seis anos de sua obra-prima máxima adaptou a obra de Fontane, “Pioneiros em Ingolstadt”, 1970, quatro anos é baseado na peça de Marieluise Fleisser; além de seu último filme, “Querelle” (Alemanha Ocidental/França), (1982), exibido pela primeira após somente a morte de Fassbinder, baseado o filme de 1982, na novela "Querelle de Brest", de Jean Genet.
A respeito de da relação de seu cinema com a literatura, escreveu Rainer Werner Fassbinder, em “Notas sobre Querelle”, de 1982, algumas palavras exemplares sobre aquela relação:
“A filmagem de obras literárias não é, como se pensa frequentemente, a tradução de um tipo de linguagem (Literária) para uma outra (cinematográfica). Os filmes baseados em obras literárias não têm que reproduzir as imagens que o leitor formou ao ler. O que também seria totalmente absurdo, pois cada leitor projeta suas próprias fantasias, e há tantas interpretações do livro quanto leitores.”
Assim como há tantas interpretações dos espectadores e interpretações destes de cada filme, seja adaptações literárias ou não, esse fato é condição sine qua non de qualquer obra de arte. “Nenhum filme sobre um tema literário deve pretender ser a visão de quem o escreveu e funcionar como modelo para a imaginação dos leitores. A tentativa de fazer com que o filme seja um substituto da obra literária resultaria em algo medíocre e vazio.”
Os filmes baseados em livros devem propor novos questionamentos e novas ‘leituras’, ‘visões’, ‘interpretações’. ‘outros olhares’, sobre as obras literárias adaptadas. “Um filme que se ocupe de literatura e da linguagem deve tornar claro e transparente esse confronto, não permitindo que a fantasia se transforme em algo vulgar. Fazendo com que se perceba que ele é mais uma possibilidade de trabalhar sobre uma forma artística já elaborada. Ele deve ter uma atitude questionadora da literatura e da linguagem, em geral, como do conteúdo e do comportamento do autor, em vez de simplesmente legitimá-lo através da linguagem.”
Enfrentamento e confronto são as palavras-chaves no projeto dialógico dual dinâmico ao qual se propõe ao adaptar obras literárias para o cinema. Por isso mesmo o monumento de 941 minutos divididos em 13 capítulos e um epílogo onírico, que é “Berlin Alexanderplatz”, tem um aspecto folhetinesco diferente das obras do cinema fassbinderiano anterior e do próprio livro de Döblin; a minissérie é o centro microcosmos da obra fassbinderiana, tudo parte deste filme para frente e para trás, do personagem Franz Biberkopf, nome de tantas outras personagens protagonistas dos filmes de R. W. Fassbinder.


Nesta minissérie exemplar vemos todos os outros gêneros que aparecem em outros filmes do diretor alemão: o gangsterismo revisionista do cinema B do primeiro cinema de Fassbinder; os melodramas influenciados por Douglas Sirk; as fábulas de crueldade dos anos 1970; a análise histórica dos filmes revisionistas da história da recente Alemanha, da segunda metade dos anos 1970; e, finalmente, no epílogo onírico e delirante referências a cenas de filmes de Fassbinder, tais como: “Como um pássaro no fio”, “Roleta Chhinesa”, “Num Ano com Treze Luas”, “Whity” e “O Desespero de Veronika Voss”.
Fassbinder em “Berlin Alexanderplatz” investiga a gênese do nazismo nos anos 1920, a burguesia ultrajada, a classe média arrogante, as relações corrompidas entre homens e mulheres, tanto nos quesitos amorosos quanto interpessoais, de amizade, por exemplo. Vê-se essa Alemanha prestes a explodir, por exemplo, na maneira como o cineasta traz a tensão da cidade para dentro das cenas internas, que se passam no quarto de Franz ou nas tabernas, há sempre um confronto de um neon ou um ruído sonoro, numa sinestesia alegórica angustiante, que nunca desligam o externo do interno, a cidade e o interior de um quarto de pensão, por exemplo, qualquer seja o espaço fechado, a impressão que se tem é que as paredes, como as personagens, estão sempre por um fio, em uma sociedade que está prestes a desmoronar.
Günter Lamprecht interpreta Franz Biberkopf, o protagonista, esse ator carismático interpreta muito bem e convicentemente, compondo muito bem uma personagem tão manipulada quanto manipuladora, ora o espectador sente pena dela, outras sente ódio da mesma personagem; vítima tanto da podridão humana, quanto de sua própria ignorância. Na verdade, “Berlin Alexanderplatz” é uma das peças cinematográficas mais complexas de todos os tempos, um brilhante estudo das relações humanas e das contradições da vida humana.
Se no livro, tem-se, claramente, dois personagens: o coletivo, que é a cidade a partir da praça Berlin Alexanderplatz, e, o indivíduo e social, também representado como coletivo, que ´Franz Biberkopf, o anti-herói decaído; no filme, contudo, a figura humana é a figura central diferente do romance de Alfred Döblin onde existe um discurso polifônico e a cidade é a protagonista -, no filme a voz central é de Franz e Fassbinder pensou em interpretar o protagonista, mas acabou desistindo, ainda que seja a voz dele que faz a narração dos episódios narrados como fluxo de consciência da personagem principal.”

·         DIVISÃO DA MINISSÉRIE EM TREZE CAPÍTULOS E UM EPÍLOGO (TÍTULOS EM PORTUGÊS):

1)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO I – O CASTIGO COMEÇA;
2)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO II – COMO VIVER QUANDO NÃO QUEREMOS MORRER?;
3)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO III – UMA MARTELADA NA CABEÇA PODE FERIR A ALMA;
4)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IV – UM PUNHADO DE GENTE NAS PROFUNDEZAS DO SILÊNCIO;
5)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO V – UM CEIFADOR COM A VIOLÊNCIA DE NOSSO SENHOR;
6)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VI – O AMOR TEM SEU PREÇO;
7)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VII – LEMBRE-SE: UM JURAMENTO PODE SER AMPUTADO;
8)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VIII – O SOL AQUECE A PELE, MAS ÀS VEZES A QUEIMA;
9)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IX – DAS ETERNIDADES ENTRE OS MUITOS E OS POUCOS;
10) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO X – A SOLIDÃO CRIA RACHADURAS DE LOUCURA ATÉ NAS PAREDES;
11) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XI – SABER É PODER E DEUS AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA;
12) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XII – A COBRA NA ALMA DA COBRA;
13) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XIII – O EXTERNO E O INTERNO E O SEGREDO DO MEDO DO SEGREDO;

14) BERLIN ALEXANDERPLATZ – MEU SONHO DO SONHO DE FRANZ BIBERKOPF, DE ALFRED DÖBLIN: UM EPÍLOGO.






·         “Querelle” (“Querelle”) (1982): “O canto de Cisne de Fassbinder”:



“Na cidade portuária de Brest, nada é o que parece ser. Neste cenário de sonho, sempre evidenciado por um crepúsculo onírico, avermelhado-amarelecido; o sol em constante se pôr; marcado por cenas internas acinzentadas. Toda essa cenografia e fotografia e jogo de câmera, serve para definir, Querelle, um marinho amoral que desperta sentimentos de amor e morte em homens e mulheres, planeja crimes e procura satisfazer os seus desejos, sexuais e financeiros, a qualquer custo.
Baseado livremente no romance de Jean Genet, “Querelle” é uma obra transgressora, na qual Fassbinder não faz concessões para transmitir sua visão de mundo ao espectador. Numa obra como essa, fassbinder mostra a marginalidade em que viviam os marinheiros em Brest, gays e bissexuais não assumidos; homossexuais ou bissexuais que não que querem admitir sua sexualidade.
Querelle, apesar de toda sua falta de ética e amoralidade, e, apesar de realizar todos os tipos de atrocidade criminais e ferir sentimentos, consegue sua catarse epifânica, mesmo em tom crepuscular e amoral, ao se convencer de sua bissexualidade, um alumbramento penumbrista, mas que se efetiva de maneira sugerida.
Filme póstumo de Fassbinder, morto em 10 de junho de 1982. O lançamento do filme na França só acontece em 8 de setembro. Fassbinder, antes de morrer, já preparava seu próximo projeto, uma obra fílmica épica sobre Rosa de Luxemburgo.
A música cantada por Jeanne Moreau, ao final do filme, tem como letra a famosa frase de Oscar Wilde: "Todo mundo mata aquilo que ama". É  o que Querelle faz, quem sabe em certa medida a ele mesmo, apesar de sua relativa epifania, como abordado acima, e, o próprio diretor é vítima desse processo na vida pessoal, ao fim das filmagens de “Querelle”, pois mata aquilo de que há melhor nele mesmo, o mais amável Fassbinder, ele mesmo.”



REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:
- Nestes nove posts últimos sobre 10 filmes de Rainer Werner Fassbinder e o Novo Cinema Alemão, foram utilizados para as resenhas por mim feitas, Rafael Vespasiano, críticas, das quais fiz observações, ampliações, cortes, edições, paráfrases, supressões, complementos, acréscimos de textos e opiniões próprias, pôsteres da internet, etc.:

·         “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, Kim Newman. IN: KEMP, Philip (Org.). Tudo sobre cinema. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
·         Links: www.revistainterludio.ccom.br , último acesso 22 de outubro de 2016;
Todo o “Dossiê Fassbinder” desta revista eletrônica foi publicado originalmente, em 17 de dezembro de 2013; terça-feira.
Críticas por: Bruno Cursini; Cesar Zamberlan; Gabriela Wondracek Linck; Heitor Augusto, Marcelo Miranda e Sérgio Alpendre.



domingo, 23 de outubro de 2016

(““Lili Marlene” (“Lili Marleen”, 1981): (“PERFIS FEMININOS FASSBINDERIANOS: TRAGICIDADE”)

(““Lili Marlene” (“Lili Marleen”, 1981):

(“PERFIS FEMININOS FASSBINDERIANOS: TRAGICIDADE”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):


““Lili Marlene” (“Lili Marleen”, 1981):



“Lili Marlene” é a síntese fílmica de Rainer Werner Fassbinder, para os ‘perfis femininos’, em paralelo, com “O Desespero de Veronika Voss”, de 1982. Filme, este feito um ano depois de “Lili Marlene”, mas no filme de 1981, já temos um esboço final das intenções de Fassbinder, sobre o seu universo feminino cinematográfico, na personagem de Lili Marlene vivida por Hanna Schygulla, o filme em tela faz conexões com outros filmes de Fassbinder, tais como: a trilogia RFA, já referida especificamente por ‘O Desespero de Veronika Voss”, além do mosaico fassbinderiano formado por “Berlin Alexanderplatz”, “A Terceira Geração”.
Porém, a aproximação de Lili Marlene com Veronika Voss é mais perceptível, enquanto no filme de 1981, o diretor alemão estabelece uma relação entre épico e melodrama de uma cantora que ‘ingenuamente’ vive do sucesso durante o Nazismo, no filme de 1982, uma projeção da mesma personagem, vivida por Rosel Zech, na década seguinte, de 1940 para 1950, já na lista negra dos colaboracionistas.

“Lili Marlene” retoma o tema fassbinderiano da mulher aprisionada, seja por contingência sociopolíticas (‘Trilogia BDR’), seja pela instituição burguesa do casamento. Lili passa de um ser humano a um ser desumano, de corpo vivo a corpo morto, ao cantar pela última vez a canção-tema, uma pessoa-desumanizada tragicamente destroçada, desolada e solitária. O corpo feminino -, (ou masculino, em filmes de perfis de homens) -, derrotado tal como a esposa em ‘Martha’, a empregada humilhada em ‘Pioneiros em Ingolstadt’, ou o ex-milionário de ‘O Direito do mais forte à liberdade’.”.


sexta-feira, 21 de outubro de 2016

““O Direito do Mais Forte à Liberdade” (“Faustrecht der Freiheit”) (1975): (“A DOMINAÇÃO DA PESSOA PELO DISCURSO VERBAL E SOCIAL”)

““O Direito do Mais Forte à Liberdade” (“Faustrecht der Freiheit”) (1975):

(“A DOMINAÇÃO DA PESSOA PELO DISCURSO VERBAL E SOCIAL”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):

““O Direito do Mais Forte à Liberdade” (“Faustrecht der Freiheit”) (1975):



“Fox (Fassbinder) é o protagonista d´O Direito do mais forte à liberdade”, o significado de ‘fox’ em Inglês é ‘Raposa’; mas, o Fox de Fassbinder apesar te ter o jogo da malandragem e das ruas, de quem viveu numa família pobre e desestruturada, pode se aproveitar do mais fraco com pequenos truques, tem o vigor sexual, fálico -, mas não tem o discurso verbal, por isso seu suposto domínio das situações, passa pela autoridade e repressão e diminuição e ocupação do outro, que passa a dominar Fox e seus amigos, o Outro que domina Fox e seus companheiros é representado -, por Eugen e ‘seus’ amigos.
Eugen e ‘seus’ amigos utilizam o ‘verbo’ e não o ‘falo’, para sem remorso, aprisionar alegoricamente a Fox, e, reter a personagem sem que ela entenda nem como ou o porquê de passar de dominador (sempre aparente) para dominado (sempre visível). A burguesia o destrói, e, empurra-o, tragicamente, para o esfacelamento, à cisão do ‘eu’ já fragilizado sem o ‘verbo’ e o discurso verbal, à desolação total, marcada, por fim, num fim solitário e trágico de presa encurralada pelos predadores.
“O direito do mais forte à liberdade” destrói os sonhos de perfumaria e suas personagens, lembremos do desolador plano com Hanna Schygulla espezinhada no campo, em Pioneiros em Ingolstadt, 1970. Shygulla vive Bertha, que protagoniza um dos mais belos e poéticos diálogos dos filmes de Fassbinder, quando após uma relação sexual com Karl, lembra ao soldado que eles esqueceram o amor, algo de muita importância, e, Karl, humilhando responde que o amor não é necessário, diante do que ela responde, que isso era terrível para ela.
A falta de comunicação e de diálogo são trágicas e destrutivas, nas relações, ou amorosas/afetivas, e/ou, interpessoais/emotivas, para as personagens fassbinderianas, que levam estas a um fim trágico, solitário e desolador; a falta de elo comunicativo destrói as personagens de Bertha e de Fox. Este, em “O Direito do mais forte à liberdade”, é o mais fraco e mais aprisionado na sociedade, sem o discurso verbal, é submisso à classe burguesa e intelectual que tentem o poder das instituições sociais e da Alemanha, como um todo, inclusive, das pessoas frágeis, é o caso de Fox, apesar do falo enorme, isso se torna mínimo perante o poder da classe burguesa, e, seu discurso opressivo e verbal de dominação, em todos os sentidos, de todos da Alemanha de então. Fox, a raposa, é uma presa para tudo e todos, da sociedade alemã burguesa e poderosa.



Fassbinder ressalta em mais um filme, este fato de que a Alemanha vivia um conto de fadas, de novas oportunidades de reconstrução após a Segunda Guerra Mundial, muito pelo contrário o Muro de Berlim estava erguido (falta diálogo) e a Guerra Fria está em andamento. Esta era a proposta do Novo Cinema Alemão: mostrar a verdadeira Alemanha: que nova não tinha nada, seu caráter sociopolítico era velho e antiquíssimo.”

   

“Próxima crítica será sobre: “Lili Marlene”. (1981).”

““As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, (“Die bitteren Tränen der Petra von Kant”) (1972)”: (“A DOR E A HUMILHAÇÃO NUMA INTERELAÇÃO ENTRE TRÊS MULHERES: A AMARGURA E A SOLIDÃO É TODA NOSSA”)

““As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, (“Die bitteren Tränen der Petra von Kant”) (1972)”:

(“A DOR E A HUMILHAÇÃO NUMA INTERELAÇÃO ENTRE TRÊS MULHERES: A AMARGURA E A SOLIDÃO É TODA NOSSA”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):

““As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant”, (“Die bitteren Tränen der Petra von Kant”) (1972)”:



“Petra a protagonista do referido filme, é interpretada pela atriz que Fassbinder utilizou em vários filmes seus também, Margit Carstensen (‘sofreu’ vivendo uma personagem amargurada aqui, Petra von Kant, e, outras personagens sofredoras foram vividas por ela, em filmes de Fassbinder, tais como: “O Café” e “Berlin Alexanderplatz”). Quando vê-se Petra, uma estilista temperamental, maltratando e humilhando constantemente sua silenciosa assistente Marlene (Irm Hermann), que idolatra sua chefe; Petra ao se aventurar numa relação amorosa com Karin (Hanna Schygulla), aspirante a modelo, Karin inverte o jogo de dominação: antes Petra humilhava e dominava Marlene, esta passa a ser uma yoyeur da relação das duas -, na relação entre Petra e Karin, aquela passa de dominadora a dominada e humilhada, por Karin, esta explora e rejeita Petra, e a abandona, assim como também é abandona por sua antiga ‘adoradora’, Marlene.
O que leva à Petra a se afastar de sua família, e, passa a um estado de frangalhos emocionais e desespero. Abandonada e só, enfim, resta-lhe a amargura e as lágrimas, trágicas, prenunciadas já no início do filme. O filme é um verdadeiro discurso, às vezes, baseando-se em vários monólogos de Petra, sobre flertes, brigas e crises afetivas e sentimentais.



Tudo isso é conduzido por um trabalho de câmera de Michael Balhaus, que com sua câmera, ela reina absoluta em captar o espaço exíguo onde se desenrola a ação. Uma câmera que passa ao espectador toda a emoção das personagens apresentadas, o enclausuramento e claustrofobia, ao menos espacial delas, pois as emoções transbordam a todo o instante no filme, apesar de uma aparente frieza dos planos. Permitindo, assim, que o passional e emotivo seja extravasado por impressionante contraponto com o rigor da encenação muito estilizada e teatral.
O texto de “As Lágrimas amargas de Petra von Kant”, foi, inclusive, encenado teatralmente, antes da feitura do filme, encenação autorizada por R. W. Fassbinder. Influenciado pelos melodramas de Douglas Sirk, o filme é repleto de referências fílmicas, de uma verdadeira miscelânea de gêneros cinematográficos e estilos cinematográficos, como os austeros filmes angustiantes de Carl Th. Dreyer e Bergman; além de colaborações indiretas por influências ao filme de Fassbinder, de cineastas como Michael Powell e Vicente Minelli.
Enfim, a obra em que só existem personagens femininas, tem uma presença masculina muito forte no quarto de Petra, de maneira estilizada, que se dá pelo papel de parede que reproduz um quadro de Nicolas Poussini.
“As lágrimas amargas de Petra von Kant” é uma das principais obras primas do genial mestre da Nouvelle Vague Alemã, Rainer Werner Fassbinder.”


“A Próxima crítica será sobre: “O Direito do mais forte é a liberdade.”. (1975).

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

(““O Medo Consome a Alma”, Alemanha, (“Angst Essen Seele Auf”), (1974))”: (“O MICROCOSMOS FASSBINDERIANO DE MELODRAMAS”)

(““O Medo Consome a Alma”, Alemanha, (“Angst Essen Seele Auf”), (1974))”:

(“O MICROCOSMOS FASSBINDERIANO DE MELODRAMAS”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):

 ““O Medo Consome a Alma”, Alemanha, (“Angst Essen Seele Auf”), (1974):



·         INTRODUÇÃO:

“Este é o auge do gênero melodramático na cinematografia de Rainer Werner Fassbinder, iniciada com mais afinco em “O Mercador das Quatro Estações”, (1971) -, este filme de 71 foi o primeiro sucesso comercial de Fassbinder, e, serviu também como ponte entre seus primeiros trabalhos e os melodramas, que o tornariam conhecido internacionalmente; “O Mercador das Quatro Estações” é um dos mais simples filmes de Fassbinder, o mais comovente e direto; aquele que apresenta o seu cosmos fílmico de maneira mais transparente, porém um Cosmos Cinematográfico sempre complexo.
Se passa, na Munique, dos 1950, Fassbinder já faz no filme de 1971, a aproximação que faria na ‘Trilogia BDR’ e em “Berlin Alexanderplatz”, por exemplo, entre o casamento, o comércio e a prostituição, que tem como final, um colapso trágico circular (coincidindo sempre com o início de cada um de seus filmes), ou seja, começam-se os filmes com solidão, distância e melancolia e termina da mesma maneira, ou com: morte, loucura, suicídio, enfim, uma queda passional, única esperança de redenção das personagens fassbinderianas, em qualquer seja o filme do cineasta alemão.”

·         RETORNO:

“Voltando a “O Medo Consome a Alma”, 1974, como dizíamos, este filme é o auge do gênero melodramático na cinematografia de Rainer Werner Fassbinder, o filme refaz o clássico Tudo o que o céu Permite, de Douglas Sirk, de 1955. O diretor Fassbinder transfere o conflito de enredo para a personagem central -, uma senhora alemã branca, de classe média, viúva, que se envolve amorosamente e se casa com um marroquino negro, mais jovem, e, passar a enfrentar todo o tipo de preconceito e olhar torto dos filhos e da sociedade em volta -, o microcosmo fassbinderiano de uma situação sociopolítica, étnica e preconceituosa, prestes a explodir na Alemanha.
Neste filme tem-se a perfidez de trabalhos mais ‘histéricos’ e menos sutis do diretor, porém metamorfoseado em drama burguês pós-moderno, onde o espectador fica atento tanto ao olhar para o meio social, e, portanto, de engajamento sociopolítico do cineasta, mas também para os dramas pessoais do casal protagonista e aqueles com que convivem, as relações interpessoais e amorosas, portanto.
O impacto de trancamento visual da personagem de Emmi (Brigitte Mira) quase sempre mostrada em enquadramentos ladeados por portas e paredes, aprisionada por suas escolhas e sua situação desafiadora à sociedade alemã de então; ou, a imagem solitária de Ali (El Hedi bem Salem), também através de portas e grades, quase sempre sentado, quadro trágico e de marginalização social imposta a figuras como a dele captada por Fassbinder, naquela Alemanha, que remete ao ‘muro’, de “O Machão”, 1969, vivenciado pelo personagem grego vivido pelo próprio Rainer Werner Fassbinder, em seu segundo longa-metragem. Mais uma vez aqui estão o preconceito alemão ao estrangeiro e a xenofobia aos imigrantes, na Alemanha do Pós-Segunda Guerra Mundial, e, o antiteatro formal do cineasta.
A vivência entre o casal, ao fim, fica sugerida que pode ser possível, mas marcada pelo elemento paradoxal de uma dualidade dinâmica sem fim, de que nunca terão paz, em poder conviver em suas relações amorosas, sem o olhar torto e preconceituoso da sociedade alemã de então. A relação de Emmi e Ali sempre será marcada de maneira dual pelos opostos complementares: alegria e tristeza, amor e amargor, vida e morte; esta é a vida melodramática do melodrama e do universo cinematográfico de Fassbinder.”


“Próxima crítica será sobre: “As Lágrimas Amargas de Petra Von Kant” (1972)”.

(““O Machão” (“Katzelmacher”, Alemanha, 1969): (“A REEDIÇÃO DO MESMO ERRO: O NAZISMO EM NOVA (VELHA) VERSÃO”)

(““O Machão” (“Katzelmacher”, Alemanha, 1969):
(“A REEDIÇÃO DO MESMO ERRO: O NAZISMO EM NOVA (VELHA) VERSÃO”):
(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):

““O Machão(“Katzelmacher”, Alemanha, 1969):


“O segundo longa-metragem de Rainer Werner Fassbinder é importantíssimo para entender a obra fílmica do artista, da Nouvelle Vague Alemã. “O Machão” é uma peça (a primeira) de Fassbinder e é ampliada, sendo levada aos cinemas, em 1969. Tem-se um cineasta preocupado com a descoberta linguagem cinematográfica, pela qual iria se expressar, se valendo, como ele mesmo afirmava, do cinema sendo feito no teatro, e teatro no cinema.
O primeiro modelo de realizador, na relação diretor/ator foi Jean-Marie Straub, que o dirige na peça “O Mal da Juventude”, esta realização teatral está presente no curta de Straub, de 1968, “O noivo, a atriz e o chulo”. “O Machão”, como teatro, surgirá destas experiências, como complemento da peça “O Mal da Juventude”.
O Machão, de 1969, já temos um Rainer Werner Fassbinder engajado politicamente, como veremos na ‘Trilogia BDR’ e Berlin Alexanderplatz, por exemplo. Engajamento evidente na sinopse do filme: pois, o termo do título, na expressão bávara, se refere pejorativamente, aos imigrantes estrangeiros que chegaram à Alemanha depois do término da Segunda Grande Guerra 91939-1945) -, e na expressão de Yaak Karsunke, parceiro do diretor, que abre o filme: ‘é melhor cometer novos erros a cometer os antigos e perder a consciência’.
O prólogo se refere a intolerância dos alemães dos anos 1960, em relação aos imigrantes que ajudaram (que irônico!) a reerguer  o país depois da 2ª Guerra Mundial; Fassbinder interpreta um grego, que é vítima, de maneira humilhante e discriminatória do preconceito xenófobo de personagens alemãs do filme.
O anti-teatro de Fassbinder, ou a teatralidade cinematográfica do artista, está construída neste filme de maneira perfeita, na rigidez dos planos e dos corpos dos atores/personagens, quase sempre limitados por um ‘muro’, ou parede, estreitados pela falta de profundidade, a sugestão simbólica de uma juventude sem projeto político, alienada, o painel de uma geração fracassada, que em vez de buscar um despertar, culpa o outro, que em vez de errar, buscar uma maneira de sair da mesmice da derrocada da nação, pode continuar a ficar presa a um velho erro: reiniciar a loucura nazista.”    


“Próxima Crítica: “O Medo Consome a alma” (1974)”.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

(""O DESESPERO DE VERONIKA VOSS", ALEMANHA OCIDENTAL, 1982, RAINER WERNER FASSBINDER, ("Die Sehnsucht der Veronika Voss”"):("TRILOGIA BDR: CONCLUSÃO TRÁGICA DA SÉRIE DE FILMES REFLEXIVOS SOBRE A ALEMANHA DOS ANOS 1950, DE R. W. FASSBINDER")

(""O DESESPERO DE VERONIKA VOSS", ALEMANHA OCIDENTAL, 1982, RAINER WERNER FASSBINDER, ("Die Sehnsucht der Veronika Voss”"):

("TRILOGIA BDR: CONCLUSÃO TRÁGICA DA SÉRIE DE FILMES REFLEXIVOS SOBRE A ALEMANHA DOS ANOS 1950, DE R. W. FASSBINDER"):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):



 ““O Desespero de Veronika Voss”, Alemanha Ocidental, 1982, (“Die Sehnsucht der Veronika Voss”). Realizado e concluindo brilhantemente, a Trilogia BDR, idealizada por Rainer Werner Fassbinder, que aborda o (falso) milagre econômico da Alemanha, no Pós-2ª Guerra Mundial, durante os anos 1950. “O Desespero de Veronika Voss” é a terceira e última parte da trilogia da Alemanha Ocidental, em sua decadência moral e ética, em meio às ruínas do Pós-Segunda Grande Guerra, durante a Guerra Fria, e a existência do Muro de Berlim, o que esfacelava a Alemanha em todos os sentidos. Foi uma das propostas do Novo Cinema Alemão, e que Fassbinder tão bem retratava em vários de seus filmes, em especial, na trilogia em tela.

O primeiro filme da trilogia de Fassbinder é “O Casamento de Maria Braun”, 1979, e, o segundo é “Lola”, 1981, O milagre econômico alemão é representado pelas protagonistas de cada filme, que dão título aos mesmos; três personagens, três atrizes diferentes; o filme em questão ganhou o Urso de Ouro em Berlim – Melhor Filme; a fotografia do filme é em preto-e-branco para ressaltar e dar veracidade ao retratar os anos 1950 do século XX, mais precisamente, o ano de 1955, em toda sua dramaticidade para a Alemanha e a personagem de Voss vivida brilhantemente pela atriz Rosel Zech.

“O Desespero de Veronika Voss” é uma homenagem do diretor Fassbinder, aos filmes melodramáticos de Douglas Sirk, e, ao filme “Crepúsculo dos Deuses” (Sunset Blvd.), de Billy Wilder, 1950. No filme de Wilder, a sinopse é basicamente: para escapar dos cobradores das suas dívidas, Joe Gillis (William Holden) se refugia na decadente mansão de Norma Desmond (Gloria Swanson), antiga estrela do cinema mudo. Quando Norma descobre que Joe é roteirista, contrata-o para revisar o roteiro de Salomé, que marcará seu retorno às telas. O filme é insuportável, mas o pagamento é bom e como ele não tem muito o que fazer, aceita.

Wilder mostra, a partir, de então, a decadência de uma atriz, na transição do Cinema Mudo para o Sonoro; já, no filme de Fassbinder, Veronika (Zech) era sucesso do estúdio UFA, de cinema de propaganda e financiamento nazista -, com a derrota do Nazismo, entra em decadência; Veronika, portanto, também é afetada e entra em declínio/desespero, estes são motivos para o vício em morfina, esse vício deve-se, então, também a outros fatores como: a dor física insuportável, mas também motivado pela tristeza, melancolia e infelicidade. Pela separação dela e o seu marido (que era o roteirista de seus filmes), e, principalmente, por não saber lidar com a fama, ou seja, não estava preparada psicologicamente para aquela (fama) e, com a decadência de sua carreira, é que Veronika se afunda mais ainda na morfina, por puro desespero.

Este desespero e este vício são abordados melodramaticamente, a maneira de Douglas Sirk, por exemplo. E, na verdade são metáforas sugestivas, e, tipicamente, fassbinderianas para: o declínio da Alemanha Nazista e de Hitler; para a crise alemã nos anos 1950, ou seja, na década seguinte a queda do partido Nazista; seu falso milagre econômico; e a crise moral e ética da sociedade alemã do pós-Guerra, vivida durante a Guerra fria. 

Na trilogia, as personagens femininas são sempre valorizadas por Fassbinder; a atriz Rosel Zech é quem vive Veronika, ótima interpretação daquela como Ross; há a personagem de um jornalista esportivo, Robert Krohn (Hilmar Thate), que tenta ajudar Veronika, envolve-se com ela, mas, Veronika está tão desesperada, que acaba não aceitando sua ajuda; Robert iria fazer um furo de reportagem com Veronika, mas depois passa a um interesse pessoal/emocional, melodramático, que beira ao fracasso e ao trágico.

O Desespero de Veronika Voss é um drama existencialista, melodramático, contudo, em que personagens são dominados por mecanismos muito mais fortes que eles, são autômatos num mundo que os oprime, paranoicamente. Fassbinder utiliza a corrupção e o vício generalizado para metaforizar uma Alemanha corrupta, degenerada e hipócrita, sem nenhuma ética, e, ou, moral. A fotografia em branco-e-preto (morfina, sugerida) é causadora de agonia às personagens e aos espectadores, uma ambiência claustrofóbica.

A fotografia magistral, e, as imagens do diretor de fotografia Xaver Schwarzenberger apresenta a realidade confusa da trama, paranoica, por meio do uso de espelhos, de vidros enfumaçados, que dão estranheza à imagem, criando um clima ao mesmo tempo muito charmoso, mesmo com imagens diáfanas e decadentes, as mesmas cenas do diretor de fotografia são maravilhosas, criando um maneirismo simbolista-decadente, que o enredo e a temática do filme e da trilogia de Rainer Fassbinder necessita, em especial, na conclusão, da sua trilogia sobre a decadência moral alemã dos anos 1950.

Fassbinder é, em suma, um modernista, mas, acertadamente, um pós-moderno, pois, mistura, sabiamente, gêneros e subgêneros fílmicos, e, antropofagicamente, deglute influências e referências de outros cineastas e filmes (como Mabuse, de Fritz Lang, e, O Gabinete do Dr. Caligari, de Robert Wiene, ambos, do Expressionismo Alemão, do início do século XX, com o segundo filme, criando um estilo próprio, o Caligarismo.). Fassbinder se valia também de outras artes, para enriquecimento de sua poética cinematográfica.

O Desespero de Veronika Voss, é filiado por exemplo ao melodrama, mas está longe e muito dele, mais perto de um drama existencialista e psicológico; se utilizando tanto de formas convencionais como de formas modernas, naturalistas e antirrealistas, leva o aparente paradoxo a um grau adiante, típico do cinema pós-moderno.”.


“A próxima crítica será sobre o filme “O Machão”, 1969, “Katzelmacher”.”