quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

(“OS MONSTROS”, DINO RISI, 1963, ITA/FRA): (“FILMES DE EPISÓDIOS, DE UM CINEASTA OU COLETIVOS, COM A PARTICIPAÇÃO DE DINO RISI: FEBRE NOS ANOS 1960/1970 NA ITÁLIA”)

(“OS MONSTROS”, DINO RISI, 1963, ITA/FRA):

(“FILMES DE EPISÓDIOS, DE UM CINEASTA OU COLETIVOS, COM A PARTICIPAÇÃO DE DINO RISI: FEBRE NOS ANOS 1960/1970 NA ITÁLIA”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):



Os Monstros, filme de 1963, reúne 20 episódios, todos dirigidos por Dino Risi, uma façanha, pois o filme é extremamente regular, engraçado e atual para os anos 1960 na Itália, em especial.
No século XX, nas cinematografias europeias, em especial, na francesa e na italiana, ou em separado, ou juntas, por meio de diretores das duas nacionalidades, nos 1960/1970, foi muito comum os filmes em episódios e coletivos. No caso d´Os monstros, filme de episódios (vinte ao todo), mesmo diretor, Risi, e produção ítalo-francesa.

Nos episódios, todos muito bons Ugo Tognazzi e Vittorio Gassman dividem os episódios ou juntos, ou intercalando-se, num nível de atuação tragicômica ímpares, coadjuvando-se exemplarmente, quando não protagonizando de maneira exemplar. Dois espetaculares atores do cinema em todos os tempos, que trabalharam juntos ou não em outros filmes de Dino Risi, ou de outros diretores italianos ou de outras nacionalidades, sempre com ótimas atuações e em filmes importantes para o cinema mundial.

Os Monstros, o cineasta Risi mantém a tragicomédia em um nível primoroso e consegue a regularidade técnica e de qualidade, em termos de roteiro, inclusive, auxiliado por Ettore Scola, outro grande diretor do cinema. Em alguns segmentos é visível o ‘dedo’ de Scola de maneira muito evidente.

Os segmentos são por atores/personagens/títulos dos episódios (em negrito os melhores, de maior destaque):

Ugo Tognazzi:
The Father (segment "L'Educazione sentimentale") / Policeman (segment "Il Mostro") / Stefano (segment "Come un Padre") / Battacchi (segment "Il povero Soldato") / L'Onorevole (segment "La Giornata dell'Onorevole") / Latin Lover (segment "Latin Lovers-Amanti latini") / Pilade Fioravanti (segment "Testimone volontario") / The Traffic Warden (segment "L'Agguato") / The Car Owner (segment "Vernissage") / The Man at Cinema (segment "Scenda l'Oblio") / The Husband (segment "L'Oppio dei Popoli") / Guarnacci (segment "La nobile Arte");

Vittorio Gassman:                      
The Actor (segment "La Raccomandazione") / Policeman (segment "Il Mostro") / Favilla (segment "Presa dalla Vita") / The Director (segment "Presa dalla Vita") / Nicola (segment "Che Vitaccia!") / Latin Lover (segment "Latin Lovers-Amanti latini") / Avvocato D'Amore (segment "Testimone volontario") / Richetto (segment "I due Orfanelli") / Roberto (segment "Il Sacrificato") / Elisa (segment "La Musa") / The Road Hog (segment "La Strada è di Tutti") / The Friar (segment "Il Testamento di Francesco") / Artemio Altidori (segment "La nobile Arte").


Quanto aos filmes de episódios europeus existiram de todos os tipos, prevalecendo os de comédia ou tragicomédia.

  Dino Risi foi um dos introdutores deste tipo de filmes segmentados, com “I Mostri” (OS MONSTROS), com argumento de Agenore Incrocci, Ruggero Maccari, Elio Petri, Dino Risi, Furio Scarpelli e Ettore Scola. O filme conheceu um tremendo sucesso de público e de crítica e justificou consequências diretas, como “I Nuovi Mostri”, “Os novos monstros”, em 1978, e uma série de outras, das mais diversas procedências e origens e formatos.


Há, sobretudo, retratos de uma sociedade italiana (mas não apenas ela!), que restituem um panorama (parcial e grotesca, trata-se de “Os Monstros”...!), de algumas das taras da sociedade italiana do “milagre econômico” dos anos 1950 e 1960, do século XX, porém que se mantém, até hoje, 2016-2017. E reproduz para o mal dos nossos dias nos anos seguintes, até os dias atuais.”.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

(As Chaves do Reino, de 1944, EUA, John M. Stahl): (“UM CLÁSSICO ENVELHECIDO: PECK O SALVA DO ESQUECIMENTO DO TEMPO”)

(As Chaves do Reino, de 1944, EUA, John M. Stahl):

(“UM CLÁSSICO ENVELHECIDO: PECK O SALVA DO ESQUECIMENTO DO TEMPO”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“As Chaves do Reino, de 1944, EUA, baseado no romance do escritor famoso, em meados do século XX, hoje esquecido nas livrarias, ao menos por aqui, se trata do autor A. J. Cronin.
É um filme que é um dramalhão melodramático, que funciona às vezes, mas tem muitas falhas, principalmente, o roteiro muito desigual em narrar a vida inteira do padre Francis Chisholm. Com o intuito declarado de sensibilizar e trazer o espectador para o lado do humilde padre, acusado injustamente de heresias contra os dogmas católicos.
   O diretor é John M. Stahl, um respeitado cineasta, em especial nos anos 1930-40. O roteiro é assinado por uma dupla incrível – Joseph L. Manckiewicz e Nunnally Johnson, ambos com sólidas carreiras como produtores e diretores, além de roteiristas. O papel central coube a um ator então iniciante – o filme de Stahl era apenas o segundo filme do excelente ator Gregory Peck, depois de Quando a Neve Tornar a Cair, um estranho esforço de guerra que homenageia o então aliado Josef Stálin, com direção de Jacques Tourneur.
O elenco tem ainda nomes de peso na época: Thomas Mitchell, Vincent Price, Cedric Hardwicke. Tem a participação especial de um ator mirim que teria longa e prestigiosa carreira, Roddy McDowall. A trilha sonora é do grande Alfred Newman.
É uma história sobre valores morais, fé, religião, bondade, dedicação. O personagem principal – o papel de Gregory Peck – é um padre, o padre Francis Chisholm. E Peck desempenha com perfeição, a sua primeira grande atuação de várias, em sua longa carreira, gloriosa e vitoriosa também como indivíduo-cidadão do mundo. As chaves do reino, ele já esbanja domínio cênico, pena que o filme peca, desculpem o verbo-trocadilho, no roteiro, demasiado piegas.
A narrativa começa em 1938, com a desconfiança do monsenhor (interpretado por Sir Cecil Hardwicke), que havia sido enviado à pequena cidade escocesa de Tweedside, para investigar como estava se saindo o idoso padre Francis, que, após muitas décadas vivendo e trabalhando como missionário na China, havia voltado um ano antes para sua cidade natal e assumido a paróquia para finalizar sua vida episcopal nessa cidade. E percebe alguns comportamentos e comentários fora dos padrões canônicos do dogmatismo católico, na forma que o padre Francis se relaciona com seus paroquianos.


Após uma semana de observação, o monsenhor se prepara para dar sua opinião ao seu superior em outra cidade, mas antes de partir, na noite anterior à partida, O monsenhor se retira então para o quarto que tem ocupado naquela semana. Na estante, ele vê um grande volume de capa dura, com o título “A jornada de Francis Chisholm”. É o diário escrito pelo padre. O monsenhor fica curioso, começa a ler – e o espectador passa então a ver na tela a história que o padre Francis narra e o monsenhor vai lendo noite adentro.
A maior parte da narrativa é ocupada pela permanência do padre Francis no interior da China. Além do próprio protagonista, há dois personagens fascinantes na história criada por A. J. Cronin. Um é um ateu que o padre Francis gostaria que estivesse no céu – um amigo dele desde a juventude, Willie Tulloch, interpretado por Thomas Mitchell. Willie é uma pessoa bondosa e generosa como pode ser um budista, hindu, católico ou ateu, etc. É ser humano e pronto. Enquanto Francis estudava no seminário para ser padre, Willie cursava Medicina. Irá visitar o amigo na China, levando um grande estoque de remédios.
A outra personagem interessantíssima é a madre Maria-Veronica (o papel de Rose Stradner). Ela é a superiora do grupo de três freiras enviadas para ajudar o padre Francis na sua missão. É uma austríaca de família aristocrática – a mãe é baronesa –, e apesar de ser madre, é um poço de frescura, orgulho, preconceito. Antipatiza-se profundamente com aquele padre simples, que faz todo tipo de trabalho manual e está sempre sujo de poeira.
Uma madre que não é ‘bondosa’ e demora a se evangelizar por completo; um ateu convicto que é um missionário, sem perceber, um poço de bondade. E o bispo que, aparece, em um determinado momento do filme, que quer derrubar o padre Francis, e, é puro interesse hierárquico e não vocacional.



A. J. Cronin deixa bastante clara sua visão de mundo: as aparências enganam. Há santos entre os ateus e pecadores entre os que usam paramentos religiosos. Esse maniqueísmo envelheceu o filme de Stahl, mas não tira o brilho da primeira grande interpretação da inesquecível carreira clássica de um dos maiores atores de todos os tempos, Gregory Peck.”. 



LINK-BASE: http://50anosdefilmes.com.br/2015/as-chaves-do-reino-the-keys-of-the-kingdom/ 

ASSINADO POR: SÉRGIO VAZ.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

(“Lisa e o Diabo” (“Lisa e il Diavolo”, 1973). De Mario Bava):(“A realidade e sonho demoníaco sugerido pela Morte Inevitável?”)




(“Lisa e o Diabo” (“Lisa e il Diavolo”, 1973). De Mario Bava):

(“A realidade e sonho demoníaco sugerido pela Morte Inevitável?”):

(crítica por Rafael Vespasiano).



“Um trabalho de beleza demoníaca de Mario Bava. “Lisa e o Diabo” (“Lisa e il Diavolo”, 1973). Lisa é um a turista passando por Roma, Itália, que se perde pelas ruas da cidade, e, ao encontrar uma mansão mórbida, Lisa adentra a um mundo de situações bizarras e de pessoas bizarras, que ao se envolverem com ela, levam Lisa a um pesadelo real/irreal macabro, conduzido pelo suspeito mordomo da mansão.

Filme no qual realidade e fantasia se misturam. Aqui, personagens decadentes e manequins são controlados por um ventríloquo que brinca com linhas invisíveis e esconde sob aparência humana sua verdadeira e diabólica natureza. Será?

No início do filme, Lisa (Elke Sommer) chega à praça principal da cidade, onde há um afresco que, segundo o guia turístico do local, teria permanecido intacto desde a Idade Média graças ao poder do Diabo, o qual no quadro é visto carregando um homem morto. Ao afastar-se do grupo, a protagonista ouve o doce som de uma caixa de música, que a conduz à loja de antiguidades onde está Leandro (Telly Savalas), um homem muito parecido com o Diabo da pintura.

Toda a trama a parir de então é sugerida numa dualidade dinâmica de beleza e horror; divino e diabólico; sonho e realidade; numa sugestão de vidas passadas e presentes, transitando sempre entre o violento, o profano e o diabólico, características típicas da filmografia do cineasta Mario Bava. Que em Lisa e o Diabo, realiza um trabalho primoroso em todos os sentidos.

 No mundo habitado por esses seres, o tempo sempre se submete ao conteúdo onírico, relacionado ao Tempo, à Arte e à Morte. Portanto, o filme remete sempre à Mortalidade e à Imortalidade numa relação dinâmica de opostos que se complementam.”

sábado, 5 de novembro de 2016

““Kwaidan - As Quatro Faces do Medo” (Masaki Kobayashi, 1964)”: ("O SOBRENATURAL FANTASMAGÓRICO IMAGINOSO")

““Kwaidan - As Quatro Faces do Medo” (Masaki Kobayashi, 1964)”:



("O SOBRENATURAL FANTASMAGÓRICO IMAGINOSO"):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO):



Quatro contos de estórias fantásticas e maravilhosas de espíritos e fantasmas, que atormentam as personagens ‘vivas’ das narrativas, jogando e criando maldições, gerando medo àquelas personagens que desorientadas, ora estão perdidas sem redenção, ora encontram uma ‘solução’ paliativa para sua condição de amaldiçoadas pelos fantasmas que surgiram maravilhosamente em suas existências, outrora cotidianas, marcadas pelo marasmo do dia-a-dia e de vidas normais e fúteis.
Neste filme, Masaki Kobayashi foge do comum dos gêneros chambaras típicos e conhecidos mundialmente pelo mundo da comunidade cinéfila, que se acostumara com esse gênero famoso internacionalmente, da cinematografia japonesa, desde os anos 1930. Mas, Masaki Kobayashi, que inclusive, realizou chambaras, primorosos, mas sempre fugindo do lugar comum deste gênero, como em “Harakiri”, 1962, e em “Rebelião”, 1967.
Aqui, neste filme, “Kwaidan – as quatro faces do medo”, 1964, faz o mesmo e foge da mesmice dos chambaras típicos e rotineiros do Japão, aproveita o epigonismo do gênero dos filmes de samurais, que ocorre, nos anos 1960, na década, em que a Novelle Vague Japonesa, já tomava forma; e, realiza um filme de horror e terror psicológico, fantasmagórico e sugestivo, surreal, onírico, enfim, uma obra prima do cinema mundial.
Reconta quatro histórias recolhidas e trabalhadas pelo escritor e jornalista grego/irlandês Lafcadio Hearn. Enviado ao Japão no final do século XIX, Hearn se afeiçoou pelo país a ponto de se nacionalizar e se casar com uma filha de um samurai, que vem a se tornar sua principal colaboradora nessa pesquisa.
Sobre o nome de Koizumi Yakumo, ele lança em 1903 o livro Kwaidan ou Estudos de Coisas Estranhas, composto de dezesseis contos e novelas. Dessas, o cineasta Kobayashi se debruçará sobre quatro e nos legará uma obra única, dotada de um exotismo fantástico, maravilhoso e de uma estética que estonteia até hoje, como por exemplo a maravilhosa fotografia e a estupenda trilha sonora, regular e excelente nos quatro contos.
O filme, mesmo sendo marcado por quatro narrativas independentes é muito regular e uno, e, o que unifica as estórias é o medo das personagens e os fantasmas/espíritos horripilantes e fantásticos, que provocam arrepios na imaginação intra-narrativa, e, também, dos espectadores desta obra-prima, que apesar da longa duração, não é cansativa e nem marcada pela mesmice em nenhum momento. O medo e a violência nunca é exagerada no aspecto físico, tem limites, mas a violência psicológica é assustadora e horripilante e forte mesmo.

Os quatro contos:



“Os Cabelos Negros”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Um samurai para fugir da pobreza abandona sua esposa e se coloca sobre os serviços de um rico senhor do qual desposa a filha. Contudo ele não consegue esquecer a antiga mulher e marcado pelo arrependimento retorna a casa da antiga esposa, em uma noite deixando para trás as novas obrigações.
Esse primeiro segmento só nos mergulha em uma atmosfera sombria, quase ao seu término. No entanto, a narrativa cheia de hiatos, desde o início, já é sugestiva e sombria a tal ponto, que gera estranhamento fantástico, de horror e terror psicológico; uma certa estranheza, ao contar a ascensão social de um jovem samurai.
A força narrativa nasce do confronto entre o encaminhamento intimo que o conduz, a relação amorosa e a ascensão marcada por suas vitórias, novo matrimônio, questões de conveniência social, determinados e unidos, por planos de câmera, que priorizam, ora o horizonte infindo, ora grossas tomadas sobre os rostos.
Quando do reencontro com seu passado, os passeios se estagnam. Acentua-se a formação de um ambiente pavoroso, mórbido, tenebroso, mas tudo pela sugestão do horror psicológico, que culmina na degradação do local e na depauperação e envelhecimento do protagonista, na ruína alegórica das personagens.’



“A Mulher das Neves”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Um velho lenhador e seu amigo aprendiz são surpreendidos por uma tempestade de neve e se refugiam na velha cabana de um barqueiro, sempre ausente e sugestivamente uma incógnita ligada ao sobrenatural e à morte. Despertado de seu sono, o aprendiz observa assustado que um ser feminino sobrenatural/fantasmagórico tirou todo o sangue de seu mestre, por um sopro invernal, vampiresco. A dama das neves o poupa sobre a condição de que nunca contará a ninguém o que se passou naquela noite.
As passagens das estações são acentuadas através das mudanças de cores, passando de um azul invernal a um laranja que remete ao predomínio do verão. A artificialidade do entorno, reforça o impacto emocional e estético em nós e nos quedamos ante a força da narrativa. A fotografia marcadamente surreal e fantasmagórica, nos leva sempre a um suspense de que algo de moral e sobrenatural suceder-se-á.’



“Hoichi – O Sem Orelhas”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘Dan-no-Ura é um estranho lugar de aparições fantasmagóricas de espíritos de samurais e clãs feudais de samurais falecidos e mortos, há quase 700 anos, antes dos narrados no presente da enunciação, quando ocorreu a famosa batalha naval que viu a queda do clã Heiké face ao clã Genji.
Hoichi, um jovem cego que vive em um templo budista da região, excelente tocador de biwa e talentoso contador da epopeia Heiké, vai despertar por esses motivos, os guerreiros fantasmas do clã derrotado, seduzidos por seu talento, que vivem vagando em seus túmulos nos cemitérios das redondezas. E que há muito adormecidos despertam fantasticamente graça ao talento poético, musical e de cantor de Hoichi.
Se no primeiro conto o sobrenatural irrompe na tela de maneira abrupta e no segundo ele é confrontado no convívio diário, no terceiro a coexistência se dá de forma acentuada. As cenas de batalha estilizadas num quase balé que bebe nas fontes do teatro kabuki, no Nô e sobretudo no bunraku nos colocam de encontro a uma tradição que desconhecemos, mas que nos causa admiração, e, nos surpreende pela beleza plástica que ganha as telas. Reforçada por uma trilha sonora, fotografia e direção de arte excepcionais.  
Um conto sugestivo, surreal e associativo de transições oníricas e imagens impressas, fumaças, sobre um fundo roxo, de sangue de uma batalha fatal entre clãs rivais numa batalha marítima fatídica e grandes proporções destrutivas e mortíferas.’



“Em uma Taça de Chá”: SINOPSE/SPOILLERS: ‘O que leva um escritor a não concluir uma história? A resposta talvez esteja no fundo de uma taça. O conto metalinguístico do filme de Kobayashi. Ainda que seja o segmento mais curto, é justamente, orgânico, funcional, e serve como epílogo, para o filme como um todo do cineasta, inclusive é o mais surpreendente e que concluí com chave de ouro, a obra prima fílmica de Masaki Kobayashi.

O epílogo sugere uma interpenetração do universo do autor com a da sua criação. De forma sugestiva, o espectador é convidado e se apropria da tarefa de concluir a história por ele mesmo, tanto a do epílogo, como a dos três contos anteriores, e, refletir após as três horas de projeção sobre o medo que marca a existência humana, seja de qual maneira for. Sempre no caso do filme, o medo e a violência psicológica que nos assombra cotidianamente.’”.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

(“O CEMITÉRIO DOS VIVOS”, LIMA BARRETO”): (“O PRÉ-MODERNO MAIS MODERNO QUE MUITO MODERNISTA”)

(“O CEMITÉRIO DOS VIVOS”, LIMA BARRETO”):



(“O PRÉ-MODERNO MAIS MODERNO QUE MUITO MODERNISTA”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).

“Vicente Mascarenhas = Lima Barreto, aquela personagem é a máscara narrativa romanceada de memórias ficcionalizadas, das experiências vividas pelo escritor Lima Barreto, durante sua estadia no Hospício da Praia Vermelha, por diversos fatores. Deste o relativo fracasso literário, devido muito ao preconceito que tinham a ele, por ser mulato. Ou seja, o meio crítico literário, do século XIX era muito preconceituoso, mudou muito no século XXI, na sociedade como um todo?
Uma máscara narrativa que machuca, doí e comove o leitor, independe de ser ou não o próprio Barreto -, pois este ou Mascarenhas, junto a outros internos, conhecidos até de Mascarenhas/Barreto, fora do Hospício, incluído até enfermeiros e médicos que o conheciam até como escritor, de fora do Manicômio -; alguns, é verdade, fingiam o não reconhecer, outros o tratavam de maneira respeitosa e de igual para igual -; porém, no geral, trata-se de pessoas no mais absoluto descaso, abandono e passando por privações e humilhações, por causa de uma suposta 'loucura'.
Às vezes a crise de sandice ou delírio é isolada não precisava a internação de muitos deles, mas o preconceito daquela época, será que mudou muito? Era que doente mental tem que ser isolado, teve crise então de violência, agressão física ou verbal, então, leva!
E não solta nunca mais!
Foi o caso de Barreto/Mascarenhas misturado a vagabundos e tratado como um; alcoólico, que se transformou devido ao já relatado mal digerido fracasso literário, não por má qualidade de seus escritos, mas por preconceito de cor, misturado a epiléticos, outros alcoólicos, leprosos, tuberculosos, maiores e menores de idade, mulheres e homens, assassinos e estupradores, ladrões, enfim não era hospício, ou clínica para doentes mentais, mas um depósito humano, ou melhor de bichos humanos. O cemitério dos vivos, ou dos vivos-mortos, ou ainda mortos-vivos, tema até dos Zumbis de George A. Romero, não mudou muito, hein?
Outras causas para a ‘loucura’ ou alcoólico de Barreto/Mascarenhas: loucura da sogra, morte da esposa, analfabetismo do filho deles, por doença mental do filho do casal, etc.
Mas a personagem/máscara narrativa semiautobiográfica é muito sincera ao revelar que não cuidava ou tratava muito bem sua esposa, que o idolatrava, a Efigênia, sempre o apoiando, e isso ele não valorizava, só depois do surto, e das várias internações, efetivadas e levadas a efeito pelo sobrinho de Vicente Mascarenhas, do qual este cuidava, antes das internações, contudo o sobrinho nunca desamparou o tio. Diferente do que acontecia muito a época e até hoje é normal, por exemplo ‘largar’ os pais enfermos e idosos nas clínicas de ‘repouso’, mandar o cheque e pronto, não é?
Barreto, agora como escritor aproveita para defenestrar os pseudos tratamentos psiquiátricos da época, Pinel vai junto. Além de defenestrar a crítica literária brasileira da época. Como Romero e Veríssimo, sem citá-los nominalmente, mas ao se referir ao determinismo de Taine: meio, raça e momento histórico; indiretamente defenestra também as teorias médicas de Dr. Bernard. E o estilo literário naturalista científico baseado no determinismo de Taine, como escritores do naipe de Zola e seu romance experimental, Balzac, Aluísio Azevedo, etc.
Valoriza literariamente os românticos brasileiros. Tece certa crítica ao Parnasiamo meramente formal e descritivista e ao simbolismo decadente, por exemplo, faz referências a um Maeterlinck, simbolista francês transcendelista, mas muito hermético.
Barreto aproveita para fazer uma espécie de romance ou narrativa confessional de formação, de sua formação literária, modernista, de uso do coloquial da língua brasileira, temas brasileiros e de crítica social profunda e aguçada, marcada por uma ironia destrutiva e ferina, é o caso aos manicômios do Rio de Janeiro do século XIX, e todo o tratamento ‘psiquiátrico’ que se fazia, supostamente, no mudo aos doentes mentais, àquela época.
Detona o Positivismo filosófico de Comte. Ao propor uma atitude filosófica, literária e de vida, após as decepções, amarguras e provações da vida, Mascarenhas/Barreto, também ao se referir às suas várias internações no hospício, afirma várias vezes, que o correto como ser humano é reconhecer os erros cometidos por você e por motivações suas mesmo, a culpa é sua, basicamente ele afirma isso, você tem que se resolver com a sua culpabilidade, ou pelo menos, aceitar que o motivo de vários fatos de desgraça em sua existência terem motivos diretos ou indiretos proporcionados por você mesmo.
Uma maneira até estoica de encarar a realidade humana e sua vida como um todo, de certa forma vai ao encontro ao que o eu-lírico de Manuel Bandeira, no século XX, propõe: contemplação, busca da conformação, mas sem evasão, porém, viver com inquietação e enfretamento da vida, viver a vida cero da morte, mas certo de que é vivendo que se morre, mas por outro lado se vive, alegrias e tristezas, amor e dor, felicidade e amargor, dualidade romântica alemã dinâmica, típica da literatura e projeto literário dos dois autores brasileiros; ao fim, a chegada da Morte, tu estás preparado para patir, certo da efemeridade e brevidade e fugacidade da vida, mas que esta foi vivida em plenitude, em que transcendes epifanicamente, se elevando, para citar mis uma vez Bandeira, alumbradamente a um plano de vida-morte e morte-vida, não cristão e ou espírita, mas de devir contínuo no Cosmos.

Barreto acreditava de certa forma nessas teorias contemplativas e estoicas e de dualidade dinâmica, o que o fez aceitar as internações, superar a ‘loucura’, e, as crises alcoólicas. E produzir uma obra literária densa e qualitativamente repleta de literalidade, que é um legado da Literatura Portuguesa, para todo o sempre. Lido até hoje no século XXI, dado, por exemplo, a universalidade deste clássico que é O cemitério dos vivos, entre outras narrativas, contos, romances, etc.”  



segunda-feira, 24 de outubro de 2016

““Berlin Alexanderplatz” (“Berlin Alexanderplatz”) (1980): As adaptações da Literatura para o Cinema: a obra-prima fassbinderiana: “Berlin Alexanderplatz” (1980)

““Berlin Alexanderplatz” (“Berlin Alexanderplatz”) (1980):

·         As adaptações da Literatura para o Cinema: a obra-prima fassbinderiana: “Berlin Alexanderplatz” (1980):



 ““Berlin Alexanderplatz” é outra grande adaptação literária de Fassbinder, baseado no romance de Alfred Döblin; assim como outra obra-prima do mesmo diretor alemão, “Effi Briest”, (1974), que seis anos de sua obra-prima máxima adaptou a obra de Fontane, “Pioneiros em Ingolstadt”, 1970, quatro anos é baseado na peça de Marieluise Fleisser; além de seu último filme, “Querelle” (Alemanha Ocidental/França), (1982), exibido pela primeira após somente a morte de Fassbinder, baseado o filme de 1982, na novela "Querelle de Brest", de Jean Genet.
A respeito de da relação de seu cinema com a literatura, escreveu Rainer Werner Fassbinder, em “Notas sobre Querelle”, de 1982, algumas palavras exemplares sobre aquela relação:
“A filmagem de obras literárias não é, como se pensa frequentemente, a tradução de um tipo de linguagem (Literária) para uma outra (cinematográfica). Os filmes baseados em obras literárias não têm que reproduzir as imagens que o leitor formou ao ler. O que também seria totalmente absurdo, pois cada leitor projeta suas próprias fantasias, e há tantas interpretações do livro quanto leitores.”
Assim como há tantas interpretações dos espectadores e interpretações destes de cada filme, seja adaptações literárias ou não, esse fato é condição sine qua non de qualquer obra de arte. “Nenhum filme sobre um tema literário deve pretender ser a visão de quem o escreveu e funcionar como modelo para a imaginação dos leitores. A tentativa de fazer com que o filme seja um substituto da obra literária resultaria em algo medíocre e vazio.”
Os filmes baseados em livros devem propor novos questionamentos e novas ‘leituras’, ‘visões’, ‘interpretações’. ‘outros olhares’, sobre as obras literárias adaptadas. “Um filme que se ocupe de literatura e da linguagem deve tornar claro e transparente esse confronto, não permitindo que a fantasia se transforme em algo vulgar. Fazendo com que se perceba que ele é mais uma possibilidade de trabalhar sobre uma forma artística já elaborada. Ele deve ter uma atitude questionadora da literatura e da linguagem, em geral, como do conteúdo e do comportamento do autor, em vez de simplesmente legitimá-lo através da linguagem.”
Enfrentamento e confronto são as palavras-chaves no projeto dialógico dual dinâmico ao qual se propõe ao adaptar obras literárias para o cinema. Por isso mesmo o monumento de 941 minutos divididos em 13 capítulos e um epílogo onírico, que é “Berlin Alexanderplatz”, tem um aspecto folhetinesco diferente das obras do cinema fassbinderiano anterior e do próprio livro de Döblin; a minissérie é o centro microcosmos da obra fassbinderiana, tudo parte deste filme para frente e para trás, do personagem Franz Biberkopf, nome de tantas outras personagens protagonistas dos filmes de R. W. Fassbinder.


Nesta minissérie exemplar vemos todos os outros gêneros que aparecem em outros filmes do diretor alemão: o gangsterismo revisionista do cinema B do primeiro cinema de Fassbinder; os melodramas influenciados por Douglas Sirk; as fábulas de crueldade dos anos 1970; a análise histórica dos filmes revisionistas da história da recente Alemanha, da segunda metade dos anos 1970; e, finalmente, no epílogo onírico e delirante referências a cenas de filmes de Fassbinder, tais como: “Como um pássaro no fio”, “Roleta Chhinesa”, “Num Ano com Treze Luas”, “Whity” e “O Desespero de Veronika Voss”.
Fassbinder em “Berlin Alexanderplatz” investiga a gênese do nazismo nos anos 1920, a burguesia ultrajada, a classe média arrogante, as relações corrompidas entre homens e mulheres, tanto nos quesitos amorosos quanto interpessoais, de amizade, por exemplo. Vê-se essa Alemanha prestes a explodir, por exemplo, na maneira como o cineasta traz a tensão da cidade para dentro das cenas internas, que se passam no quarto de Franz ou nas tabernas, há sempre um confronto de um neon ou um ruído sonoro, numa sinestesia alegórica angustiante, que nunca desligam o externo do interno, a cidade e o interior de um quarto de pensão, por exemplo, qualquer seja o espaço fechado, a impressão que se tem é que as paredes, como as personagens, estão sempre por um fio, em uma sociedade que está prestes a desmoronar.
Günter Lamprecht interpreta Franz Biberkopf, o protagonista, esse ator carismático interpreta muito bem e convicentemente, compondo muito bem uma personagem tão manipulada quanto manipuladora, ora o espectador sente pena dela, outras sente ódio da mesma personagem; vítima tanto da podridão humana, quanto de sua própria ignorância. Na verdade, “Berlin Alexanderplatz” é uma das peças cinematográficas mais complexas de todos os tempos, um brilhante estudo das relações humanas e das contradições da vida humana.
Se no livro, tem-se, claramente, dois personagens: o coletivo, que é a cidade a partir da praça Berlin Alexanderplatz, e, o indivíduo e social, também representado como coletivo, que ´Franz Biberkopf, o anti-herói decaído; no filme, contudo, a figura humana é a figura central diferente do romance de Alfred Döblin onde existe um discurso polifônico e a cidade é a protagonista -, no filme a voz central é de Franz e Fassbinder pensou em interpretar o protagonista, mas acabou desistindo, ainda que seja a voz dele que faz a narração dos episódios narrados como fluxo de consciência da personagem principal.”

·         DIVISÃO DA MINISSÉRIE EM TREZE CAPÍTULOS E UM EPÍLOGO (TÍTULOS EM PORTUGÊS):

1)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO I – O CASTIGO COMEÇA;
2)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO II – COMO VIVER QUANDO NÃO QUEREMOS MORRER?;
3)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO III – UMA MARTELADA NA CABEÇA PODE FERIR A ALMA;
4)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IV – UM PUNHADO DE GENTE NAS PROFUNDEZAS DO SILÊNCIO;
5)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO V – UM CEIFADOR COM A VIOLÊNCIA DE NOSSO SENHOR;
6)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VI – O AMOR TEM SEU PREÇO;
7)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VII – LEMBRE-SE: UM JURAMENTO PODE SER AMPUTADO;
8)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO VIII – O SOL AQUECE A PELE, MAS ÀS VEZES A QUEIMA;
9)    BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO IX – DAS ETERNIDADES ENTRE OS MUITOS E OS POUCOS;
10) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO X – A SOLIDÃO CRIA RACHADURAS DE LOUCURA ATÉ NAS PAREDES;
11) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XI – SABER É PODER E DEUS AJUDA A QUEM CEDO MADRUGA;
12) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XII – A COBRA NA ALMA DA COBRA;
13) BERLIN ALEXANDERPLATZ – EPISÓDIO XIII – O EXTERNO E O INTERNO E O SEGREDO DO MEDO DO SEGREDO;

14) BERLIN ALEXANDERPLATZ – MEU SONHO DO SONHO DE FRANZ BIBERKOPF, DE ALFRED DÖBLIN: UM EPÍLOGO.






·         “Querelle” (“Querelle”) (1982): “O canto de Cisne de Fassbinder”:



“Na cidade portuária de Brest, nada é o que parece ser. Neste cenário de sonho, sempre evidenciado por um crepúsculo onírico, avermelhado-amarelecido; o sol em constante se pôr; marcado por cenas internas acinzentadas. Toda essa cenografia e fotografia e jogo de câmera, serve para definir, Querelle, um marinho amoral que desperta sentimentos de amor e morte em homens e mulheres, planeja crimes e procura satisfazer os seus desejos, sexuais e financeiros, a qualquer custo.
Baseado livremente no romance de Jean Genet, “Querelle” é uma obra transgressora, na qual Fassbinder não faz concessões para transmitir sua visão de mundo ao espectador. Numa obra como essa, fassbinder mostra a marginalidade em que viviam os marinheiros em Brest, gays e bissexuais não assumidos; homossexuais ou bissexuais que não que querem admitir sua sexualidade.
Querelle, apesar de toda sua falta de ética e amoralidade, e, apesar de realizar todos os tipos de atrocidade criminais e ferir sentimentos, consegue sua catarse epifânica, mesmo em tom crepuscular e amoral, ao se convencer de sua bissexualidade, um alumbramento penumbrista, mas que se efetiva de maneira sugerida.
Filme póstumo de Fassbinder, morto em 10 de junho de 1982. O lançamento do filme na França só acontece em 8 de setembro. Fassbinder, antes de morrer, já preparava seu próximo projeto, uma obra fílmica épica sobre Rosa de Luxemburgo.
A música cantada por Jeanne Moreau, ao final do filme, tem como letra a famosa frase de Oscar Wilde: "Todo mundo mata aquilo que ama". É  o que Querelle faz, quem sabe em certa medida a ele mesmo, apesar de sua relativa epifania, como abordado acima, e, o próprio diretor é vítima desse processo na vida pessoal, ao fim das filmagens de “Querelle”, pois mata aquilo de que há melhor nele mesmo, o mais amável Fassbinder, ele mesmo.”



REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS:
- Nestes nove posts últimos sobre 10 filmes de Rainer Werner Fassbinder e o Novo Cinema Alemão, foram utilizados para as resenhas por mim feitas, Rafael Vespasiano, críticas, das quais fiz observações, ampliações, cortes, edições, paráfrases, supressões, complementos, acréscimos de textos e opiniões próprias, pôsteres da internet, etc.:

·         “As Lágrimas Amargas de Petra von Kant”, Kim Newman. IN: KEMP, Philip (Org.). Tudo sobre cinema. Rio de Janeiro: Sextante, 2011.
·         Links: www.revistainterludio.ccom.br , último acesso 22 de outubro de 2016;
Todo o “Dossiê Fassbinder” desta revista eletrônica foi publicado originalmente, em 17 de dezembro de 2013; terça-feira.
Críticas por: Bruno Cursini; Cesar Zamberlan; Gabriela Wondracek Linck; Heitor Augusto, Marcelo Miranda e Sérgio Alpendre.