quinta-feira, 29 de outubro de 2015

(BANDOLEIROS, ROMANCE, JOÃO GILBERTO NOLL, 1985): (“UM INTELECTUAL PERDIDO E À DERIVA NO MUNDO”)

(BANDOLEIROS, ROMANCE, JOÃO GILBERTO NOLL, 1985)


(“UM INTELECTUAL PERDIDO E À DERIVA NO MUNDO”)


(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)

                                                                         

                                                                                 


“O tema deste reflexivo romance de Noll, escritor brasileiro, contemporâneo, aborda a vida, no seu dia-a-dia monótono e vazio, as memórias de um passado vexatório e as agruras de um escritor, narrador-personagem anônimo, frustrado em seu papel de intelectual. Sua última obra fora considerada relevante pela crítica literária, mas a personagem se frustra, pois o livro não vende nada: como fica a relação “autor-obra-público”?, incomunicabilidade, por isso o protagonista em toda sua passionalidade evada-se no sexo, drogas e álcool.

Vive amargurado, solitário e devaneando e relembrando fatos nada importantes para si ou para o status quo da sociedade, ele está perdido, à deriva no mundo, sozinho e desesperado como muitos outros intelectuais/artistas do século XX/XXI, pós-modernos.

Pode-se recorrer ao mesmo tema no romance “Angústia”, de 1936, de Graciliano Ramos, no qual o protagonista Luís da Silva rememora toda sua vida para testemunhar sua dor e seu fracasso como escritor; ou, “O Amanuense Belmiro”, de Cyro dos Anjos, Belmiro simples funcionário público, mas que é um escritor de mão cheia, mas que não publica, frustrando-se também mais um intelectual. Ambos do modernismo brasileiro da primeira metade do século XX. Ou pegar o exemplo do artista plástico frustrado de “O Túnel”, de Ernesto Sabato, romance publicado em 1948. Ou lembrar ainda de Recordações do Escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, um moderno à frente do século XIX em seu final.

Bandoleiros é um romance que se sustenta esteticamente e tematicamente. Uma reflexão sempre oportuna a ser feita nos dias líquidos de hoje, segundo Bauman.”

(O GRANDE DESFILE/KING VIDOR/EUA/1925): (“A GUERRA DE TRINCHEIRAS E A DESUMANIDADE”)

(O GRANDE DESFILE/KING VIDOR/EUA/1925)


(“A GUERRA DE TRINCHEIRAS E A DESUMANIDADE”):



(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)




“Um grande clássico antibelicista dos anos 20, dirigido magistralmente por Vidor, O Grande Desfile é um libelo fílmico contra qualquer tipo de guerra ou batalha, no caso se trata de mostrar o horror da Primeira Grande Guerra, a guerra de trincheiras, que o filme mostra muito bem, com um realismo artístico exemplar. As batalhas e bombardeios nas trincheiras são desumanos e são o grande atrativo de ação do filme ao final, com desfecho trágico, como qualquer guerra “real” tem.

Pena, que se perde muito tempo na apresentação das personagens, que por um lado é muito bom para humanizar e criar a empatia entre espectador e as personagens, em especial, com o protagonista vivido por John Gilbert, que se alista na guerra, quando os Estados Unidos da América entram na Guerra, em 1917.

A parte melodramática dele com uma jovem francesa no acampamento militar na França é por demais longa e enfadonha, poderia o diretor quem sabe não ter destinado tanto tempo a essa subtrama.

Mas a apoteose do filme é a batalha final, a guerra de trincheiras: trágica, desumana, terrível, degradante, que provoca mortes e mortes aos montes de jovens perdidos no meio do “nada”. O ser humano torna-se número de cadáveres, mero registros. O horror da guerra torna-se espetáculo/desfile e essa é a verdade até hoje ainda no século XXI, 2015.


Clássico é isso!”


O QUIMONO ESCARLATE (SAMUEL FULLER/EUA/1959)


(“PRECONCEITO E CIÚME EM UMA OBRA-PRIMA DE FULLER”)


(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)






“Este filme de Fuller poderia ser encarado como um mero e passageiro filme policial. Mas não o é, o cinema de Fuller é primeiramente paixão e ação. A proposta do filme é apelar aos sentidos dos espectadores, numa fotografia preto-e-branco arrebatadora, é quase apelativa para que o filme nos fale diretamente, sobre vários temas entre eles, o ciúme doentio de uma mulher por possível assassino de uma dançarina, ciúme este baseado no fato da artista ser mais nova do que a pretendente (possível) ao pacato cidadão, boa praça e bem-disposto a ajudar o próximo. Ciúme entre parceiros detetives por uma mesma mulher, Cris, sedutora, que endoidece a cabeça, tanto de Joey quanto de Chalie. Enquanto essas reflexões sobre ciúme ocorrem a trama policialesca de qualidade continua sendo desvendada aos poucos.

Outra questão abordada é o preconceito norte-americano contra asiáticos, em especial japoneses, chineses e coreanos, nos anos 50/60 do século XX; o filme é também uma crítica à Guerra da Coréia, e por tabela à Guerra do Vietnã, e, mais amplamente à Guerra Fria, um libelo antibelicista implícito. Os dois detetives desenvolvem uma rivalidade baseada na discriminação étnica (Joey, de origem asiática, passa, de acordo como transcorrer do enredo, a achar que o parceiro estadunidense caucasiano o discrimina, Charlie, fica numa situação delicada em relação ao amigo desconfiado. Mas o próprio Joey acha que também é vítima de preconceito racial e étnico de Cris, a mulher americana e branca, com quem se envolve no transcorrer da trama.


O filme é abrupto e passa rápido, no calor dos sentimentos e das emoções, apelando ao espectador atenção total, e, gerando reflexões durante a projeção e depois da exibição também. Um clássico. Atualíssimo ainda no século XXI, 2015.”

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

(LONGA JORNADA NOITE ADENTRO)

(“UMA JORNADA NO ÂMAGO DE UMA FAMÍLIA EM RUÍNAS”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“Eugene O´Neill confessou que a sua peça trágica e reveladora dos mais profundos dramas de consciência, “Longa Jornada Noite Adentro”, é muito autobiográfica, uma espécie de catarse para o autor e os dramas vividos no passado no seio de sua família.

O autor se preocupa na peça com cada personagem, com o mesmo tratamento, sem prevalecer um sobre o outro. Todos da família estão vivendo um período de tensão na vida familiar; por causa da mãe viciada em morfina; o esposo tenta fazer de conta que tudo transcorrer naturalmente e “acredita” nas mentiras da esposa, de que ela está sem usar a droga. Os filhos (dois), um reage de forma mais agressiva contra o pai e a mãe, e, o outro mais novo observa mais distante, mas sofre muito também, e é um garoto adoentado, o que faz mãe dele paparicar muito o mesmo. Este filho mais novo, inocente é o mais impotente na peça e ver e registra (com drama de consciência) tudo que se passa com seus familiares, na casa de veraneio deles.

Este drama trágico, de colocar todas as emoções e pensamentos para fora, verbalizar para o outro, para o outro parente/familiar, tudo o que pensa sobre a situação, leva à família à ruína física, psicológica e moral. E o garoto acaba se envolvendo mais e sofre em dobro, por ele e pela mãe. A mãe está completamente fora-de-si, perdendo a razão e perdendo a sanidade.

A peça tem quatro atos: o primeiro, se passa de manhã; o segundo, ao entardecer; o terceiro, ao crepúsculo, e, o quarto ato, perto da meia-noite. É um crescente simbólico de escuridão, sombra, penumbra, não só no meio físico, porém, também, uma metáfora dos estados das almas das personagens, que cada vez vão saindo da zona de conforto para o desespero e perda da razão, mesmo que momentânea. A luz solar (clareza de pensamento) vai diminuindo até dominar a escuridão plena na casa e na ambiência do espaço, onde se passa a trama, chegando às trevas (perda da razão).

A família termina arruinada não financeiramente, mas psicologicamente, com traumas que serão carregados com cada personagem até o fim... da sua existência!?. O drama de consciência e humano, portanto, é destruidor e devastador, e que faz realmente nós sermos criaturas racionais, mas que podemos perder a razão, por segundos apenas, porém, o suficiente para a união familiar está arruinada para sempre. A ruína aqui não é meramente física, mas moral (alegórica).


“O Inferno Somos Nós.”, (frase, de Jean Prévost), sobre a peça de O´Neill, que serviria de epígrafe para a obra do dramaturgo. Todos da família saíram do “Paraíso”, já começam a peça no “Purgatório”, sofrendo tragicamente e dramaticamente e vão Inferno absoluto psicológico, sem muitas possibilidades catábase.”


quarta-feira, 14 de outubro de 2015


“FUGA DO PASSADO” (JACQUES TOURNEUR/1947)

(“PASSADO VERSUS PRESENTE: REDENÇÃO”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“Fuga do Passado é um filme noir por excelência. Sombras, ambiência claustrofóbica, becos, personagens decaídas, algumas se mantendo no vício, outras querendo a redenção. Fumaça, neblina, névoa, penumbra, excesso de álcool, etc.



Um enredo extraordinário e que prende o espectador fácil e até o desfecho da película. Grande elenco, grandes atuações. Direção magistral de Tourneur. O filme é circular (começa e termina na mesma estrada), e, a relação do passado e presente das personagens, vai-e-vem à toda hora na narração da história. O cineasta transforma o espectador em agente subjetivo da narração e da intriga, simpatizando ou não com alguma personagem.




O roteiro propõe várias reviravoltas e anti-clímaxs até atingir o ápice do desfecho. O filme é noir de alto teor psicológico. Uma realização ímpar de Tourneur.”


domingo, 4 de outubro de 2015

“ANJO DO MAL” (SAMUEL FULLER/EUA/1953): (“A DICOTOMIA DA SOCIEDADE: DIGNIDADE E CORRUPÇÃO” )

“ANJO DO MAL” (SAMUEL FULLER/EUA/1953)

(“A DICOTOMIA DA SOCIEDADE: DIGNIDADE E CORRUPÇÃO” ):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“O filme de Samuel Fuller foi vencedor do Leão de Bronze no Festival de Veneza, merecidamente, pois o filme é ousado, como o diretor sempre o foi, em suas obras, e, neste “Anjo do mal”, o cineasta se preocupa em mostrar a paranoia da Guerra Fria entre EUA e URSS, quando um ladrão rouba uma bolsa de uma mulher, no metrô, sem saber que aquela contém um microfilme com segredos de estado.

Nos filmes noir de Samuel Fuller e é o caso também de Anjo do Mal, o diretor não tem como foco femme fatales e nem anti-heróis trágicos, mas sua câmera foca a camada baixa da sociedade estadunidense: prostitutas, gigolôs, traficantes, delatores, fracassados, bandidos de segunda espécie, policiais propensos à corrupção, etc. Tudo isso mostra que o “sonho americano” e a “maneira de viver americana” são apenas fantasias e utopias. Pois, o mundo é sujo e corrupto por demais.

Skip ao roubar a bolsa vê seu mundo virar do avesso, com sua vida correndo risco. O ladrão de meia tigela se vê agora em meio a uma trama e, sozinho a enfrenta, perdendo todos os amigos em quem podia confiar, pouco a pouco. De ladrão insignificante torna-se inimigo público número um.


O diretor Samuel Fuller através do argumento, da fotografia e da montagem do seu filme; na dramaturgia e no diálogo revela esse paradoxo e a dicotomia desse mundo: a utopia da dignidade humana e a corrupção total da sociedade. O cineasta deixa esta dicotomia em aberto ao final do filme, para o espectador tentar resolver!?”

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

“A GRANDE ILUSÃO” (JEAN RENOIR/FRA/1937): (“O REALISMO POÉTICO DE RENOIR, EM PLENO HORROR DA PRIMEIRA GRANDE GUERRA”)

“A GRANDE ILUSÃO” (JEAN RENOIR/FRA/1937)

(“O REALISMO POÉTICO DE RENOIR, EM PLENO HORROR DA PRIMEIRA GRANDE GUERRRA”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“A grade ilusão, de Jean Renoir, é considerado um dos grandes filmes franceses de todos os tempos e da cinematografia mundial como um todo. Trata da Primeira Guerra Mundial, em 1937, quando aquela ainda não era tratada como tal, e, a sombra de Hitler se fazia surgir, para eclodir numa guerra de proporções maiores, a Segunda Guerra Mundial, 1939-1945. Mas Adolf Hitler, não aparece no filme de Renoir, a película narra a trama de soldados franceses presos em um campo de prisioneiros alemão, em 1916, e, faz reflexões sobre a guerra e o comportamento humano no meio dela.

Inspirou filmes posteriores como Inferno Nº 17, de Billy Wilder, Fugindo do Inferno, com Steve McQueen, e, mais recentemente, A Guerra de Hart, com o canastrão Bruce Willis. Uma das cenas clássicas de A Grande Ilusão é aquela onde os soldados franceses cantam A Marselhesa, em pleno território alemão, ou seja, a cena de Casablanca vem um pouco depois.

Há um aprofundamento psicológico de todas as personagens, tanto as francesas, quanto as alemãs. Os diálogos entre eles são antológicos e primorosos, o que propõe a mensagem antibelicista do filme, de Jean Renoir. Essas cenas que se dão principalmente entre o Capitão alemão vivido pelo ator Erich von Stroheim e os prisioneiros franceses têm a finalidade de propor uma mensagem de paz, harmonia e antimilitarista.

Outros temas abordados são: a amizade, mesmo entre inimigos, pois o capitão alemão não concorda com a Guerra, está apenas cumprindo o seu dever, mas mantém uma relação respeitosa com seus prisioneiros franceses; a disputa de classes é outro tema debatido; amizade; saudade, etc.


Um filme sobre o ser humano e como ele pode se sobrepor sobre as guerras e evita-las.”

A MORTE NUM BEIJO (ROBERT ALDRICH/EUA/1955): (“UM EXEMPLAR CLÁSSICO E SEMINAL DO CINEMA NOIR”)

A MORTE NUM BEIJO (ROBERT ALDRICH/EUA/1955)

(“UM EXEMPLAR CLÁSSICO E SEMINAL DO CINEMA NOIR”):

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO)



“Robert Aldrich realiza um film noir exemplar e angustiante. Diretor de outros filmes seminais, como “O que terá acontecido à Baby Jane?”, e, o provocador “Os doze condenados”. Em A morte num beijo, o cineasta realiza uma obra seminal dentro do gênero “noir” e vai além, pois à época da realização da película, o mundo vivia o auge da Guerra Fria entre EUA e URSS, e o filme se alimenta deste medo angustiante e pavor de a qualquer momento estourar a Terceira Guerra Mundial, a Guerra Nuclear, e o final da trama mostra isso muito bem.

As sombras proporcionadas por uma fotografia e ambiência apavorante e angustiante fazem as personagens se moverem e agirem de maneira sombria, desesperada e rumo a um destino trágico, como faria supor se estourasse a Terceira Grande Guerra. O filme parte do microcosmos de uma investigação policial particular a um macrocosmo de Guerra Mundial e atômica.

Na trama, uma mulher (femme fatale, típica dos filmes noir) aparece fugido de uma misteriosa perseguição envolvendo um crime. Esta personagem morre e o detetive Mike que a encontrara desesperada na fuga, resolve investigar as causas daquela morte e do passado da mulher assassinada.

A fotografia é maravilhosa, sombria, pessimista, fatal e até com referências à fotografia expressionista do início do século XX, ressaltando o ambiente tenso e sombrio do filme e, a trilha sonora é angustiante, realmente, reforçando o caráter de filme noir da película de Aldrich, sua tensão é fatalista, cruel e mórbida.


 O cinema noir de origem francesa foi importado pelos estadunidenses, pois estes viviam um período de desilusão pós-Primeira Guerra Mundial e Grande Depressão (queda da bolsa de valores de 1929/1930). Além da corrupção e as consequências e frustrações dos conflitos bélicos da Primeira Grande Guerra; tudo isso favoreceu o film noir se estabelecer como um gênero fílmico nos EUA, apesar de importado, mas que se naturalizou bem nas condições socioeconômicas e psicológicas da sociedade estadunidense. Enfim, uma sociedade marcada pelo incerto presente e futuro. E A morte num beijo reflete tudo isso e a geopolítica global da época.”