domingo, 28 de dezembro de 2014

JOGO DAS DECAPITAÇÕES, DE SÉRGIO BIANCHI: (CRONICAMENTE INVIÁVEL É O BRASIL).

JOGO DAS DECAPITAÇÕES, DE SÉRGIO BIANCHI:
(CRONICAMENTE INVIÁVEL É O BRASIL).
CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO.


Sérgio Bianchi é um cineasta que não é fácil de lidar. Fico imaginando como o mais recente filme realizado por ele, Jogo das decapitações (2014), conseguiu financiamento do Governo Federal – inclusive, no próprio filme certa personagem faz uma pergunta mais ou menos nesse sentido. Pois, Bianchi não perdoa ninguém, para ele o Brasil é um país Cronicamente inviável (2000), filme dirigido também por ele e ao qual o espectador é remetido pelo menos ao título dele.

Porém, no Jogo das decapitações, existe outra metalinguagem com outro filme do próprio Sérgio Bianchi, que é um filme mais antigo e que foi produzido e distribuído durante a Ditadura Militar Brasileira, trata-se de Maldita Coincidência (1979); este filme é apresentado no filme de 2014, como um filme dentro de um filme: Maldita coincidência recebe outro título, o mesmo do que está sendo projetado para nós nesse momento, Jogo das decapitações.

Ou seja, Bianchi está falando de sua própria filmografia, de certa forma, ele formou com esses três filmes uma trilogia do Brasil que nunca dará certo. Bianchi só amplifica suas ideias de um filme para o outro e ainda escreve em um quadro: “que país foi este?”, o verbo no passado e não no presente, diferente da conjugação dada ao verbo ser pelo cantor e compositor Renato Russo, da Legião Urbana, à sua canção de 1987.

Quanto ao enredo/trama do Jogo das decapitações pode-se ser dito o seguinte: Jairo Mendes (Paulo César Peréio) é um cineasta marginal, que é o alter-ego do diretor Sérgio Bianchi. Jairo foi torturado durante a Ditadura Militar Brasileira, por ser um cineasta revolucionário, crítico de tudo e de todos, - (até de quem lutava contra a Ditadura) -, considerado pelos militares como “subversivo”, é preso, com a justificativa de atentado violento ao pudor (o desbunde para ele também era uma forma transgressora de lutar contra os militares, assim como o Cinema de Protesto, a Guerrilha, o terrorismo, os sequestros, a luta pacífica, passeatas, conscientização intelectual, etc.); seu filho nos dias atuais é um jovem que tem tudo nas mãos, acrítico, se torna até um reacionário, mesmo tendo como exemplo em sua casa, a mãe, Marília, abandonada por Jairo, aquela torturada também nos porões da Ditadura e que luta pela indenização do Estado pelo que sofreu à época; enfim, várias situações da Ditadura são apresentadas em múltiplas facetas.

Mas, o filme também trata do presente de nosso Brasil, levantando outras questões, de forma sugerida e até mais ou menos explícita pelo próprio roteiro da película: a superlotação dos presídios (a maioria dos presos, lógico, negros e pobres), as rebeliões, as gangues rivais, a tortura da polícia sobre aqueles dentro dos presídios (o que mudou? isso de certa forma vem desde a colonização, com a escravatura oficial dos negros africanos e dos índios, não?); políticos que estão no poder atualmente, que lutaram contra a Ditadura (ou seja, políticos de esquerda), mas agora, que estão eleitos, democraticamente, reprime e se corromperam assim como os políticos de Direita, que desde sempre também foram corruptos (desde a época da colonização) e apoiaram a Ditadura; o que é a Esquerda e a Direita no Brasil hoje? Ambas corrompidas e sedentas, “pelo poder até não mais poder” (Marcelo Nova), repressoras -, basta ver as manifestações populares fortemente reprimidas pela violência policial e reprovadas pelo Estado, tanto pelos os agentes públicos de direita, quanto pelos de esquerda, em 2013. O Estado e a mídia (sensacionalista, comprada e de Direita) falavam são: “filhinhos de papai, filhos da classe média, revoltados por nada, apenas um bando de baderneiros, alienados, mascarados, etc.”.  

Jogo das decapitações abre espaço para todo esse debate mostrando apenas alguns fatos e algumas cenas, a maioria delas ficcionalizadas e até surreais, mas que remetem à nossa realidade recente 2013-2014 (e as eleições deste ano, os comentários na internet, os preconceitos e discriminações virtuais, nas redes sociais protegidos, os difamadores e obtusos intelectualmente pelo anonimato digital acabam com reputações e fica por isso mesmo?), etc.

Enfim, recomendo o filme, vocês perceberão e debaterão com seus amig@s, várias questões atualíssimas do Brasil inviável, que espera o apocalipse como sugere uma personagem do filme Jogo das decapitações, e como mostra o outro filme mais antigo, Maldita Coincidência, que é o próprio Jogo das decapitações (imagens de arquivo, do próprio filme de 1979 aparecem no filme de 2014), terminando tudo numa grande explosão, sugerida pela confecção de um coquetel molotov.

Bianchi pode ser acusado de ser um cineasta mais do mesmo, mas que é fiel às suas convicções, isso ninguém pode negar. Já em 1979, ele mostrava que as pessoas preferiam desmantar a reciclar o lixo, mesmo essas pessoas vivendo em uma comunidade hippoca e em que os que viviam nesta, conviviam em plena atitude de desbunde, que em Maldita coincidência de 79, Bianchi de certa forma ironiza, mas não a censura como atitude transgressora, mas aquele filme feito em plena Ditadura é mais uma reflexão de tantas propostas por Sérgio Bianchi para o Brasil que já se foi...

Em todos os filmes de Sérgio Bianchi, o espectador deve está preparado para um soco no estômago, não há 100% mocinhos, nem 100% vilões, nada de maniqueísmos; o que há são personagens (pessoas) que ora têm toda a razão da situação, outras nem tanto, mas que não deixam de ter sua razão (sua parcialidade); outras pessoas são totalmente desprovidas de razão, mas em outros momentos têm razão assim como àquelas, e nunca deixam de perder sua razão (parcialidade). Será?

Assim, o seu mais recente trabalho de 2014, Jogo das decapitações mostra que muito foi conquistado, mas ao mesmo tempo desperdiçado, parece que tudo é em vão em nosso país e o Brasil não é o “país do futuro”, porém a nação da “inviabilidade social definitiva”.


P.s.: outras reflexões do filme Jogo das decapitações: o consumo de crack (epidemia), até jovens ricos consumem a droga; a higienização pública das ruas feita pelo Estado em relação aos marginalizados, sem-teto, viciados, de maneira agressiva e desumana; professores intelectuais, mas que não entendem e respeitam os trabalhadores braçais, tão essenciais para a sociedade e tão humanos quanto qualquer Mestre ou Doutor; o jornalismo e a mídia do espetáculo e do sensacionalismo, que só querem vender jornais e ganhar audiência e, não buscam checar as suas fontes e/ou se preocupam com o Outro; alunos do Ensino Superior, reacionários e alienados.

A atualidade do filme mais uma vez deve ser ressaltada, já que a Comissão da Verdade instaurada no Congresso, para averiguar os crimes da Ditadura Militar, entregou o seu relatório final, recentemente, ao final do ano de 2014; mas, Bianchi faz uma provocação: se é para acabar com a anistia de maneira ampla, não deveria se punir tantos os crimes dos militares ainda vivos, quanto os dos que lutaram contra a Ditadura e cometeram sequestros, assaltos, assassinatos, atos incendiários, etc., e também estão vivos? Lembrando que o diretor Sérgio Bianchi, em seus filmes, não perdoa nada, sempre considera tudo, doa a quem doer.

P.s.2: reflexões sobre a Ditadura também na América Latina, ao som de Mercedes Sosa, num falso documentário sobre a ditadura chilena e argentina; ONGs; etc, etc., etc...

FILMOGRAFIA COMPLETA:

2013 - Jogo das Decapitações
2009 - Os Inquilinos
2005 - Quanto Vale Ou É Por Quilo?
2000 - Cronicamente Inviável
1994 - A Causa Secreta
1988 – Romance
1983 - Divina Previdência (CURTA-METRAGEM)
1982 - Mato Eles? (MÉDIA-METRAGEM)
1979 - Maldita Coincidência
1977 - A Segunda Besta (CURTA-METRAGEM)

1972 - Omnibus (CURTA-METRAGEM)

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - ALDOUS HUXLEY “(FUTURO DISTÓPICO, MAS, PRESENTE REALÍSTICO POSSÍVEL!).”

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO - ALDOUS HUXLEY

“(FUTURO DISTÓPICO, MAS, PRESENTE REALÍSTICO POSSÍVEL!).”

(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO).


“Huxley cria uma distopia que pode parecer bastante despropositada, principalmente, à época do lançamento do romance, no ano de 1932, mas que é possível - (dentro de certos limites, ou esses tais limites já estão por um fio, no século XXI, já caminhando para o ano de 2015?!) -, a humanidade rumar a um mundo, em que ocorra a esterilização total dos sentimentos (como o sociólogo do século XXI, Zygmunt Bauman, se refere aos “sentimentos líquidos”; aliás, aquele pensador cita o autor de Admirável mundo novo, Aldous Huxley, em seu livro Modernidade líquida).

Isso já não ocorre, de certa forma, já em nossos dias "virtuais"?!. Além disso, a obra mostra um mundo determinado por um minoritário grupo que "observa", "vigia" o resto do mundo, determinando desde a criação, desde a concepção, quem é quem, sem livre-arbítrio, sem acaso, tudo é um eterno repetir das condições sociais preexistentes: uma asfixia social e humana.

Mais uma das distopias oportunas criadas no século XX, junto com 1984 de Orwell e Fahrenheit 451, de Bradbury, para citar algumas. Distopias que criticam a vigilância excessiva do Estado e/ou de um grupo minoritário sobre o grupo majoritário da Humanidade (BBB, realitty shows, não são novidades, nem V de Vingança); o domínio das máquinas (já retratada no filme, Tempos Modernos de Chaplin, que criticava o Fordismo e o Taylorismo); que criticam a censura e a falta de liberdade de expressão criada por um Estado opressor, etc.

Admirável Mundo Novo permanece atualíssimo no século XXI, mas real, como as músicas de cantores contemporâneos nos dizem: Admirável Chip Novo, de Pitty; Ninguém Vai Sair Vivo Daqui, de Marcelo Nova e, até mesmo em um verso do irreverente Paulão das Velhas Virgens, que ao falar de sentimentos nos diz: "(...) a quantificação do sentimento...".

Triste Mundo Nosso!”.

FRASES DE HUXLEY:

ADMIRÁVEL MUNDO NOVO, ALDOUS HUXLEY:

"Amarmos o que somos obrigados a fazer. Tal é a finalidade de todo o condicionamento: fazer as pessoas amarem o destino social de que não podem escapar."

"Vem, amigo social, ó ser supremo e forte, ó aniquilador dos doze em um, gigante! Todos morrer queremos, porque a morte é desta vida o mais sublime instante!"

"A felicidade nunca é grandiosa."

"- A população ótima - (...) - obedece ao modelo do iceberg: oito nonas abaixo da linha de flutuação e uma nona parte acima dela."

"Além disso, temos de pensar na nossa estabilidade. Não queremos mudar. Toda mudança é uma ameaça à estabilidade."


"A felicidade universal mantém as engrenagens em funcionamento regular; a verdade e a beleza são incapazes de fazê-lo."

AJUSTE DE CONTAS, PETER SEGAL, 2013. “(A COMÉDIA ESCRACHADA É TAMBÉM UMA BOA DIVERSÃO!).”

AJUSTE DE CONTAS, PETER SEGAL, 2013.

“(A COMÉDIA ESCRACHADA É TAMBÉM UMA BOA DIVERSÃO!).”

(CRÍTICA POR RAFAEL VESPASIANO).


“Ajuste de Contas, filmão subestimado, só por que é comédia não é digna de louvores?

Uma comédia escrachada e com roteiro inteligente. Com referências explícitas e às vezes não tão evidentes, às carreiras cinematográficas dos seus próprios protagonistas: Robert De Niro (Kid), em relação ao seu papel que lhe rendeu o Oscar de melhor ator em 1980, por Touro Indomável, dirigido por Scorsese, no qual interpreta o pugilista Jake LaMotta; e, Sylvester Stallone (Razor), com a série de seis filmes Rocky.

Na comédia Ajuste de Contas, dirigida por Peter Segal, de 2013, os dois veteranos atuam despreocupados e nem aí para as críticas, querem se divertir e nos divertir, e conseguem! Várias brincadeiras pós e entre os créditos finais. Kim Basinger e Alan Arkin cumprem bem seus papeis de coadjuvantes. Um embate, uma revanche entre Kid e Razor, já sessentões, histórias que só cinema e a literatura nos proporcionam.

 Kid, trinta anos atrás ganhou a primeira luta entre eles; Razor ganhou a segunda luta e, se aposentou sem a revanche, sem a vera. A vera vem agora, com eles já velhos, aposentados e decadentes, mas no auge da forma física (para a idade): um busca da redenção como boxeador, o outro em busca da redenção como ser humano. Tudo isso em um filme para se acabar de rir.”


(POST DEDICADO À GERALDINHO, FUMACINHA E FROTINHA, POR ME MOSTRAREM QUE COMÉDIA TAMBÉM É CINEMA DE ALTA QUALIDADE. E QUE QUANTO MAIS FRAMBOESAS DE OURO, NESSES CASOS, MELHOR!!!!).

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

CRIME E CASTIGO – DOSTOIÉVSKI “(DUPLO E INDIVIDUAÇÃO EM CRIME E CASTIGO, DE DOSTOIÉVSKI).”

CRIME E CASTIGO – DOSTOIÉVSKI


“(DUPLO E INDIVIDUAÇÃO EM CRIME E CASTIGO, DE DOSTOIÉVSKI).”


(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO).


“O romance “Crime e castigo”, do escritor russo Fiódor Dostoiévski, publicado em 1866, é uma obra-prima da Literatura Russa realista e da História da Literatura Ocidental. O formalista russo Jakobson a denomina de “Realismo Artístico”, para diferenciar “Crime e Castigo” e outras obras do “Realismo-Naturalismo” também um estilo literário do século XIX, puramente “científico”, que se baseia no Determinismo de Taine, Evolucionismo de Darwin, Positivismo de Comte, etc.

Para Jakobson, o realismo artístico é “o realismo revolucionário na literatura” (JAKOBSON, 1973, p. 122). Pode-se, assim, ser visto de acordo com o abordado acima:

que falamos (...) da significação (...) do termo realista, isto é, da tendência rumo à verossimilhança artística, vemos [contudo] que esta definição deixa lugar a uma ambiguidade: (...) – a tendência a deformar cânones artísticos em curso, interpretada como uma aproximação à realidade [realismo-científico]; (...) – [que é] a tendência conservadora limitada no interior de uma tradição artística e interpretada como uma fidelidade ao real, [mais uma vez se trata do naturalismo científico de um Zola, por exemplo, do romance de tese, Germinal.]. [inserções do resenhista] (Ibidem., p. 122-23).

Por outro lado Jakobson defende o realismo que “chama-se realismo a motivação consequente, a justificação das construções poéticas.” (Ibidem., p. 127). O formalista russo, portanto, designa, “a exigência de uma motivação consequente, a justificação dos procedimentos poéticos (...).” (Ibidem., p. 127). Ou seja, o “realismo artístico” é verossímil, sim, mas não “deforma” a realidade em busca da verossimilhança e da comprovação de uma tese, porém, reinventa, recria verossimilhante e artisticamente a realidade. É o caso de Dostoiévski em seus escritos.

 “Crime e Castigo” é uma obra-prima da literatura mundial, escrita pelo russo Dostoiévski. O principal tema tratado no romance é a dualidade dinâmica entre sanidade e loucura. Aquele dualismo não sintético é manifestado, na figura da protagonista, Raskólhnikov (nome que na etimologia do idioma russo, significa um ser com existência dividida, o que é o caso da personagem citada). Aquele é um estudante de Direito, da capital russa, de então, São Petersburgo, mas, que por causa da falta de dinheiro, abandona os estudos, a partir desse fato passa a viver, recluso em seu quarto, sem querer ver ninguém (insociável), arredio, em completa solidão, tristeza, melancolia, infelicidade, vazio existencial, esses sentimentos são demonstrados ao leitor pelo fluxo de consciência de Raskólhnikov, visto que ele passa a ter a mania de falar sozinho, consigo mesmo, o que os críticos atuais, como Ronaldes de Melo e Souza preferem caracterizar como “monodiálogo”, o que remete às características teatrais do Monólogo e do Diálogo. Mas, o fluxo de consciência predomina na obra inteira, por meio de murmúrios e solilóquios - inclusive, quando ele está no meio da rua e de outras pessoas (quando sae à rua e/ou vê outras pessoas, o que é raro), estas percebem tal fato, sem que o protagonista se dê conta do mesmo.

Nessa situação de reclusão, desenvolve uma teoria, que passa a ser uma ideia fixa em sua mente (monomania) - a teoria que a protagonista do romance elabora consiste em que existem pessoas diferenciadas (geniais) do restante da sociedade (pessoas materialistas), a partir disso aquelas poderiam cometer crimes justificáveis, que não seriam crimes passíveis de condenações, pois resultariam em boas ações para o restante da humanidade (Raskólhnikov cita como um “ser genial”, o Imperador Francês Napoleão Bonaparte) -, dialogando com a teoria filosófica do escritor Nietsche e o seu “super-homem”.

A partir dessas teorias, Raskólhnikov começa a pensar que também ele próprio é um desses “seres geniais”, dado o seu grande amor-próprio, então resolve cometer um assassinato, para provar sua teoria e ter a sensação de matar, sensação esta que o revolve psicologicamente. Planeja, portanto, a morte de uma velha usurária, segundo ele, mesquinha e imprestável, que não fará falta à humanidade (considera, inclusive, aquela como um “piolho da sociedade”), além de tudo isso pretende também ficar com o dinheiro que a velha usurária ganha com o resgate dos objetos penhorados pelas pessoas, já que este dinheiro será útil para Raskólhnikov retomar os estudos, melhorar sua vida e de sua mãe e irmã, os únicos parentes que ele tem; enfim, prepara em todos os pormenores o crime, executa-o, mas acaba matando também uma pessoa inocente, que não estava nos planos, pois esta presenciou o crime.

Depois que comete o crime, Raskólhnikov começa a se sentir culpado e com remorso, passando a viver uma crise existencial maior que aquela que vivia antes do “crime”, com um tremendo peso na consciência, ressaltando nos “monodiálogos” e nos fluxos de consciência, que Dostoiésvski, enquanto autor-narrador elabora e desenvolve em seu enredo de grande dramaticidade psicológica.

René Girard (2011) em sua obra crítica sobre a prosa de Dostoiévski, Dostoiévski: do duplo à unidade, analisa as obras romanescas sobre o ponto de vista do Duplo na Teoria Literária, segundo os estudos pioneiros de Otto Rank, em O duplo. Girard também ressalta em seu livro teórico alguns aspectos biográficos do escritor russo de “Crime e castigo”, que não nos interessa neste post.

Girard faz uma observação preliminar sobre a personalidade de Raskólhnikov - seguindo seu estudo das personagens subterrâneas das obras em prosa de Dostoiévski, as “personagens do subsolo”, parafraseando a própria novela do escritor russo, Memórias do subsolo – “Raskólhnikov não sabe se sua solidão faz dele superior ou inferior aos outros homens, um deus ou um verme da terra. E o Outro [duplo] permanece sendo o juiz do debate [Deus?].” [inserções minhas]. (GIRARD, 2011, p. 66). A personagem principal do romance em debate, diga-se de passagem, também, evidentemente, por tudo já explanado até aqui, caracteriza-se como uma personagem monomaníaca, subterrânea, do subsolo.

 Continua Girard a asseverar: “Raskólhnikov, no fim das contas, não é menos fascinado pelos juízes que Trussótzki (...)” (Ibidem., p. 66), investigador encarregado do caso do crime perpetrado pela protagonista, policial que é o “duplo”, rival, obstáculo, “o Outro”, que se opõe àquele e precisa, de alguma forma, ser eliminado pela personagem principal, nem que seja psicologicamente, porém, de forma catártica e definitiva. Uma catarse extrema ao nível psicológico, lógico, num processo que vai além do meramente catártico: se evidencia, então, o processo de individuação psíquica da personalidade, outrora cindida da personagem, que agora passa a ter sua psique restabelecida e não mais dividida. Só que isso só vai acontecer à Raskólhnikov, ao final da obra, pois, como “(...) Raskólhnikov depende sempre do veredito do Outro.” (Ibidem., p. 66), René Girard faz a mesma observação que a feita por mim, anteriormente, a respeito do nome da protagonista do romance de Dostoiévski, pois “o próprio nome do herói sugere essa dualidade [de duplos]. Raskol significa cisma, separação.” [inserções minhas] (Ibidem., p. 66).

Assim, esse processo de duplo entre o estudante-e-investigador causa uma ruptura na personalidade de Raskólhnikov, tal cisão só pode ser resolvida, no caso de “Crime e castigo”, pelo castigo, pela prisão que é uma catarse para a protagonista. E, lógico, pela individuação, eliminação simbólica e psicológica do duplo.

Retomando a breve descrição do enredo da obra, em nenhum momento, por isso tudo, Raskólhnikov usa o dinheiro e objetos roubados para proveito próprio, esconde-os e se esquece deles, tal a sua crise e sua consciência pesada. A crise existencial em que entra, passa a ter constantes delírios, alucinações (já as tinham, mas agora se intensificam), é, então, que ele passa a sofrer o “castigo” que o título do romance já sugere.

O cerco começa a se fechar e ele resolve se entregar à polícia, mas, ainda acha que sua teoria é verdadeira, o único senão é ter-se denunciado o que prova que ele é um reles, um insignificante, um pusilânime e, não um “ser genial”, mas aquela sua teoria se aplicaria a outras pessoas, contudo, como já foi dito, não a ele, mas o que não a invalida.

Porém, na prisão, ele admite que estivesse errado e sua teoria não tinha nada a ver com a realidade humana, alcança, enfim, uma possível réstia de esperança de um porvir de catarse, por meio do amor que passa a nutrir por uma mulher e A Deus, sendo que antes Raskólhnikov era ateu. Aqui mais uma das “eternas” reflexões das novelas, contos e romances do escritor russo: materialidade e espiritualidade; religião e ateísmo; a existência ou não de Deus; a fé e a descrença; a confiança ou não nas instituições religiosas comandadas pelos homens da Rússia do século XIX, etc.

Dessa forma, o desfecho do romance com o enlace amoroso entre a personagem principal, na prisão, e seu par amoroso, Sônia e “a conclusão evangélica”, é, segundo Girard uma pergunta de Dostoiévski “se um orgulho mais extremo ainda que o de Raskólhnikov não poderia (sic) triunfar justamente onde seu herói fracassou.” (Ibidem., p. 67). (?).

Em Zaratustra, Nietzsche com certeza afirmaria que o fracasso de Raskólhnikov deve-se:

à covardia dos ‘homens inferiores’, ou seja, à covardia do subsolo. Como Dostoiévski, Nietzsche acredita reconhecer no que se passa em torno dele [Raskólhnikov] uma paixão do orgulho moderno. [grifos do autor]. [inserções minhas] (Ibidem., p. 67).


Gerando uma espécie de “ressentimento” do homem moderno, do homem do “subterrâneo” ou do “homem do subsolo”, uma covardia, que gera fracasso ad eternum - só possível sua resolução, segundo o crítico francês René Girard, por meio da eliminação do duplo da personagem principal e consequente individuação da mesma personagem de “Crime e castigo”.

A loucura e a alienação mental de Raskólhnikov antes e durante o “crime” mostram-se temporárias, pois, após aquele ato, a alienação mental, aos poucos, vai desaparecendo e ele vai retomando sua consciência e o pleno controle de suas faculdades mentais, mostrando que a alienação mental era passageira, o “castigo” serve justamente para isso: a retomada do controle de sua mente.

      O romance é pontuado por brilhantes análises psicológicas, ponto forte do livro; o autor utiliza todas as informações dadas ao leitor, amarrando-as, ou seja, tudo que é dito no decorrer da história tem sua importância, portanto nada é supérfulo ou dito à toa.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Crime e castigo. São Paulo: Nova Cultural, 2003.

GIRARD, René. Dostoiévski: do duplo à unidade. São Paulo: Realizações Editora, 2011.


JAKOBSON, Roman. IN: JAKOBSON, Roman et all. Teoria da literatura: formalistas russos. “Do realismo artístico” (p. 121-27). Rio de Janeiro: Globo, 1973. 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

MANIFESTO PRÓ-CINEMA BRASILEIRO “(POR QUE TANTAS SALAS PARA “JOGOS VORAZES” (NO MESMO COMPLEXO, INCLUSIVE)? E APENAS DUAS SEMANAS DE EXIBIÇÃO DE “UMA PASSAGEM PARA MÁRIO”, EM APENAS UMA SESSÃO DIÁRIA, EM APENAS UMA SALA, EM TODA BRASÍLIA?).”.

MANIFESTO PRÓ-CINEMA BRASILEIRO

“(POR QUE TANTAS SALAS PARA “JOGOS VORAZES” (NO MESMO COMPLEXO, INCLUSIVE)? E APENAS DUAS SEMANAS DE EXIBIÇÃO DE “UMA PASSAGEM PARA MÁRIO”, EM APENAS UMA SESSÃO DIÁRIA, EM APENAS UMA SALA, EM TODA BRASÍLIA?).”.

(MANIFESTO REVOLTADO POR RAFAEL VESPASIANO).


“O cinema nacional sempre foi prestigiado tanto por público, quanto pela crítica especializada e bastante apreciado e premiado nos festivais internacionais de cinema. Começou com filme mudo, sim, um clássico mundial.

Com filmes institucionais e didáticos também que marcaram o início da fase sonora. Faroestes, ciclo do cangaço, adaptações cinematográficas de obras literárias (muitas péssimas, mas com o passar dos anos as adaptações ficaram excelentes tanto quanto, os livros, às vezes superiores a estes).

E os festivais brasileiros de cinema eram sempre e continuam sendo bem frequentados e com sessões lotadas.

As fases da chanchada, da Atlântida, da Vera Cruz e os filmes do Mazaroppi, além dos ciclos baiano e paraibano de cinema no final dos anos 50 e inicio dos anos 60. Sempre foram sucessos de público. É que os valores monetários dos ingressos eram muito diferentes dos de hoje, ou seja, eram muito mais baratos. Mas, os filmes eram sucessos dentro do contexto da época, sim! Inclusive, os filmes estrangeiros demoravam a chegar ao Brasil, só estreando muito tempo depois de lançados em seus países de origem. Os filmes brasileiros predominavam nas salas de cinema, em cartaz. O problema foi a censura e a falta de liberdade de expressão impostas pela Ditadura Militar Brasileira nos anos 60/70, que prejudicou muito o cinema nacional, fazendo muitos filmes bons serem censurados e interditados, passando despercebidos pelo grande público.

Mas, eles estão sendo redescobertos, agora, no século XXI, seja no dvd, nos festivais, em mostras, retrospectivas, ou canais por assinatura e, sempre com boa demanda de público interessada em ver esses filmes.

É os filmes do Cinema Novo que provocam o confronto e a reflexão contra a censura, a falta de liberdade de expressão e Ditadura Militar Brasileira. Contudo, eram filmes cifrados, herméticos, por causa da censura em cima e do AI-5 perigosíssimo de 1968. Esses filmes reflexivos tinham conteúdo e público, porém muito intelectualizado e das classes altas e que atuavam ativamente contra a Ditadura, sucessos de crítica no país e no exterior, em festivais nacionais e internacionais.

Contra esse hermetismo, veio o Cinema Marginal mais popular e com filmes de gênero (os quais sempre existiram desde a chanchada, Vera Cruz, Atlântida, Mazaroppi, como faroestes, suspenses, policiais, dramas, comédias, comédias musicais, filmes de terror, trash, terrir (este subgênero genuinamente brasileiro); aqueles três últimos subgêneros surgiram nos anos 70 e 80, com, justamente, o advento do cinema marginal, entre outros gêneros fílmicos.

Contudo o Cinema Marginal mesmo, dos anos 70, é reflexivo, mas que viviam mais à margem da produção fílmica oficial do país, alguns beirando ou refletindo sobre o desbunde; desbunde, sim, mas reflexivo e crítico, muitas vezes contra o próprio desbunde, o que mostra a importância do Cinema Marginal, que com parcos recursos orçamentários, filmes de guerrilha mesmo, realizaram produções baratas, todavia propunham reflexão política e crítica à ditadura, mas sem hermetismo intelectual do cinema novo. Diferente de certas superproduções hollywoodianas do século XXI e/ou da Globo Filmes, anos 90/2000. Não sou contra esse tipo de filme (não é minha preferência, lógico, como fica claro no meu posicionamento nesse manifesto), mas que deve existir para diversificar o público, mas este tem que tem as três opções: os filmes estrangeiros, independente do país; os filmes despretensiosos, sem preferência por nacionalidade e, os filmes reflexivos e politizados, sem preferência por país. Contudo, volto a afirmar vamos acabar com o preconceito com nosso cinema!

Porém, realmente, a fase da pornochanchada criou um preconceito no brasileiro, em relação, ao cinema feito em nosso próprio país. Apesar de existirem filmes dessa fase que se salvam e têm algo a dizer, mas, que são, realmente, à margem do sistema/fase da pornochanchada. Esses filmes dos anos 80 criaram esse preconceito, mas na época, era sucesso de público, as salas sempre estavam lotadas, lembrando que os valores de bilheteria eram irrisórios perto dos de hoje, pelo já dito valor de ingresso mais caro hoje. E era, conveniente para claudicante Ditadura e censura, filmes vazios e sem reflexão política, apenas escapistas. Nos quais, a censura cortava apenas as cenas mais “sensuais/sexuais”, mas sem sexo explícito, apenas simulado. Eróticos, sensuais, mas bastante cômicos, escapistas, contudo preconceituosos contra gays, negros, etc. Bastante sexuais, contudo sem a penetração propriamente dita. Vazios e sem reflexão, sem proposta, apenas feitos para rir e sugerir erotismo, verdadeiros desbundes extremamente alienados e preconceituosos.

A censura cortava apenas o mais agressivo e bem pesado em termos de linguagem erotismo. O resto passava, pois o público gosta e a censura/ditadura militar adorava a alienação gerada pela pornochanchada.  O cinema nacional, enfim, sempre teve público, prestígio nacional e internacional, mas os valores de bilheteria não se comparam aos de hoje pelo já exposto valor de ingresso mais barato antigamente. Mas, o cinema nacional sempre foi bom, com exceção da fase, realmente, um tanto quanto discutida, chamada pornochanchada, mas que também era sucesso de público, pois os filmes estrangeiros não passavam com tanta abundância nas salas brasileiras como acontece hoje.

O cinema nacional, enfim, merece sempre ser apreciado desde suas origens até os dias atuais. Viva o cinema brasileiro! Ele merece respeito sempre! E com a Retomada então, filmes excelentes, porcarias também da Globo Filmes, as globochanchadas, comédias besteirol vazias, com grande público, mas pouco conteúdo e gosto duvidoso.

Filmes ganhando festivais nacionais e internacionais, credibilidade da crítica, respeito de todos, parece que só nós que não darmos o verdadeiro valor ao nosso verdadeiro cinema: o cinema reflexivo, ou cômico, mas não apelativo, contemplativo, cru, de gênero, ou não, politizado, crítico. Pena, que quando chega a hora de lançar nossos filmes, mais da metade das salas de cinema do país, abrem as portas só para um filme: Jogos Vorazes: A Esperança – Parte I, legendados ou dublados, aí fode!

Ah, nossos curtas-metragens e documentários são considerados, internacionalmente, como dois gêneros de cinema, como um dos melhores do mundo, entre todos os países que produzem esses tipos de filmes, estamos respeitadíssimos pelos países do mundo, em festivais afora e também em nossos festivais. Todavia desconhecido do nosso grande público.

 Pena que nossa animação começou a se revelar tarde, mas com tudo a tempo, ganhando o principal prêmio mundial da animação em 2013 e em 2014, com dois elogiados filmes de longas-metragens de animação.

Ah, Oscar é grana tá? Deixe quieto!

Quanto ao gênero pornográfico, o primeiro de sexo explícito apareceu em 1982, com um público de 25 milhões de pessoas nos cinemas brasileiros. Complicou nosso cinema, pois a pornochanchada já estava esgotada como gênero entre o público brasileiro.

Agora, em 1982, o público brasileiro estava interessado em pornográfico mesmo, o que se produziu em abundância, mas com história, porém o fuck-fuck norte-americano que existia desde os anos 70, filmes de sexo explícito sem história invadiram os cinemas do Brasil. Daí a complicação dos anos 80. As salas ficaram borratadas de pornô brasileiro e estrangeiro, surgindo salas de cinema só especializadas em filmes de sexo explícito.

Passou tempos duros. Veio o Collor acabou o financiamento público aos filmes brasileiros que ainda tentavam fazer um cinema brasileiro digno. Demoraram seis anos para retomarmos as produções.

Vamos aproveitar nosso cinema. Vivemos tempos de ingressos caros e poucas salas, poucas semanas de exibição para um filme nacional, pouco boca-a-boca, poucas sessões, mas isso pode mudar depende do público, de nós mesmos, dialogando sobre a história do nosso cinema, um entusiasmado debate e boca-a-boca, para divulgar os bons filmes brasileiros vistos por vocês. E a pressão, os comentários e debates sobre filmes nossos, não apenas os importados, ou o Oscar, né?

Debater o espaço do nosso cinema nas salas de cinema e não apenas filmes hollywoodianos. Vamos debater o cinema mundial, mas o nosso também, assim vamos apreciar o estrangeiro, porém o nosso também.


VIVA O CINEMA BRASILEIRO!!!!!!!!”.

A COMÉDIA HUMANA-VOLUME I-AO “CHAT-QUI-PELOTE”. HONORÉ DE BALZAC “(PRIMEIRA NOVELA: LITERARIAMENTE DECEPCIONANTE, MAS O INÍCIO DE UMA GRANDE AVENTURA ROMANESCA).”

A COMÉDIA HUMANA-VOLUME I-AO “CHAT-QUI-PELOTE”.

HONORÉ DE BALZAC

“(PRIMEIRA NOVELA: LITERARIAMENTE DECEPCIONANTE, MAS O INÍCIO DE UMA GRANDE AVENTURA ROMANESCA).”

(RESENHA POR RAFAEL VESPASIANO).


“O escritor francês Honoré de Balzac escreveu inúmeras novelas e romances, que ao passar dos anos do século XIX, Balzac resolveu reuni-los de maneira orgânica, numa proposta ousada para a época e até para os dias atuais – e, reuniu todos os seus romances e novelas em 17 volumes, sob o título geral de "A Comédia Humana".

A comédia humana, em cada volume reúne de cinco a seis romances e/ou novelas; e são estudos ora de costumes, ora da vida pública, ora da vida privada, ora da vida campesina, outro momento da vida citadina, militar e ou civil. O escritor reúne tudo isso em 17 volumes organizados sistematicamente, com o intuito declarado de abordar a vida burguesa da França do final século XVIII e boa parte do século XIX (a parte que Balzac vivenciou, descreveu e relatou), pois, sim, seus livros lembram mais relatórios descritivos objetivos e certidões de cartório, ou de burocracia pura, em relatar de maneira o mais realística possível a vida francesa de então (burguesa, do século XIX). Ele concluiu seu trabalho ainda em vida, fechando um ciclo literário e de vida a que se propôs realizar.

Mas, a crítica atual, do século XXI, relativiza muito o êxito da sua obra e considera-a muito datada, inscrevendo-a na transição do Romantismo (dos quais os livros que são românticos seriam, justamente, os melhores da Comédia Humana) para o “Realismo Científico” (segundo a expressão do formalista russo do século XX, Roman Jakobson), aquela serve para, segundo o crítico russo, o romance naturalista. E, como a maioria dos romances e novelas da Obra é naturalista, A comédia humana, como um todo, ficou datada, segundo os críticos pós-modernos, pois, a mesma se prende muito a modelos deterministas (Taine), evolucionistas (Darwin), positivistas (Comte), lembrando até um Zola, de Germinal. Outra crítica negativa é o estilo geral dos 17 volumes que lembra uma obra taquigráfica, de pura reprodução copista e burocrática, lembrando um cartório ou um escritor guarda-livros, que só descreve a realidade pura e simplesmente, de maneira descritiva e objetiva, mas que verossímil, sem imaginação, ou seja, sem reinvenção poética e/ou literária, característica principal a que deve se propor qualquer uma das Artes Humanas, em especial a Literatura.

Contudo, os mesmo críticos ressaltam a importância de Balzac para a História do romance moderno, para a Literatura Francesa do século XIX e para o Romantismo-Naturalismo, do qual a Obra não escapa, mas que obtém certo êxito dentro desta proposta. Em especial nas histórias mais eivadas de Romantismo como escola literária e menos nas novelas e romances naturalistas.

Já nos romance nos quais Honoré de Balzac encontra um equilíbrio entre romantismo e realismo, mas não tão naturalista-científico, o escritor francês realiza obras primas como A mulher de trinta anos, Pai Goirot ou Ilusões Perdidas. Já que Balzac realiza romance e novela, dentro da proposta romântica-realista, de transição estético-literária mesmo, mas de um realismo, que Jakobson denominou de “Realismo Artístico”, que marcaria as obras de gênios como Machado de Assis, Dostoiévski, etc.

Os quais não se prenderam a romance de tese, como Émile Zola ou Aluísio Azevedo, a determinismos de raça, meio, momento histórico, evolucionismo (darwinismo), mas, por outro lado, Machado e Dostoiévski desenvolveram e revolucionaram o romance moderno, com a reflexão psicológica verossímil das personagens de seus livros; desenvolveu o fluxo de consciência das personagens, as digressões, o narrador personativo - veja-se a obra Madame Bovary, só do que do francês Flaubert, mas que se inscreve na mesma linha de tradição literária e estética. Teoria mais tarde desenvolvida e aperfeiçoada criticamente, no século XX, pelos teóricos da Literatura, Beda Alleman, Wayne C. Booth e  Wolfgang Iser (autor implícito); as conversas e interpelações ao leitor, etc.

(Que vale o registro não se iniciou com o “Realismo artístico” do século XIX, mas os escritores realistas, de meados do século XIX, foram beber na tradição literária do Romantismo Inglês, do final do século XVIII, em autores, como Laurence Sterne e Daniel Defoe, etc. Ou em Xavier de Maistre, escritor francês, com seu romance, Viagem à roda do meu quarto.).  


O crítico Paulo Ronái que organizou A comédia Humana, no Brasil, para as Edições Globo, é um defensor de Balzac e sua obra completa. Realizando além da organização, estudos, prefácios, notas e traduções para a referida publicação, que se encontrava esgotada há anos, só sendo possível encontra-la em sebos, em edições caríssimas, dada sua raridade.

Mas que desde o ano de 2013 está sendo reeditada, pela própria Editora Globo, no Brasil, nas livrarias, ao poucos, com a mesma organização, porém, revisada, mas já delineada há anos pelo maior especialista em Honoré de Balzac e em A comédia Humana, no Brasil, Paulo Ronái. Já saíram os oito primeiros volumes. E um livro crítico de Ronái. Esperamos, agora, os outros nove volumes.   

Por enquanto só posso falar de dois livros que li do primeiro volume. A novela Ao "Chat-Qui-Pelote", que dá o pontapé para essa obra “monumental” denominada A comédia humana. A tradução do título desta novela do francês para o português, primeiro é uma referência à Mansão na qual se passa a obra; já na tradução livre, significa, mais ou menos: “o gato que(m) brinca com o novelo de lã”. (http://dicionario.reverso.net/frances-portugues/chat%20qui%20pelote), último acesso 27/11/2014, às 18h55, quinta-feira.


A novela extremamente romântica enquanto estilo literário mostra a paixão arrebatadora entre um homem e uma mulher, que superam as diferenças de classe social e o fato de o pai da garota não querer o casamento. Contudo, quando se casam, no começo é só alegria, porém, aos poucos, ele se afasta da esposa, devido, principalmente, à falta de diálogo, motivada pela diferença de classe social e de nível de cultura, então ele procura outras mulheres e sua esposa resolve se separar dele, voltando a morar com seus pais.

Esta novela mostra bem a estética do escritor Balzac que é da transição do Romantismo (como visto no começo do relacionamento das duas personagens, amor forte e verdadeiro), para o Realismo (vide o final da novela, separação do casal).

Não se trata de uma excelente novela em termos estético-literários, mas é o começo para o leitor sentir o “gostinho” de estar iniciando a leitura desta obra gigantesca, em todos os sentidos - apesar dos defeitos, que já foram relatados, mas que não tiram os seus méritos ao mesmo tempo -, idealizada e concretizada por Honoré de Balzac. Que merece ser lida na íntegra e ser discutida, pois, na leitura encontraremos obras e trechos da obra balzaquiana que são pérolas da Literatura Ocidental em todos os tempos.”



P.s.1: “vale ressaltar que alguns romances e novelas continuam e/ou remetem a outros romances e novelas anteriores, que vêm precedendo na ordem que aparecem durante os 17 volumes de A comédia humana. Porém, não são nunca continuações de enredo, mas citações de personagens que reaparecem em novelas e romances vindouros na sequência dos volumes, mas com outras funções sociais, ascensão ou decadência, por exemplo. Separados ou ainda casados. Com filhos ou não; personagens, agora, por outro exemplo, bem mais velhas que na novela ou romance que elas apareceram, anteriormente. Isso se pode dá mais de uma vez (repetição de personagem, no caso e retomada de algum “fiapo” narrativo).”

P.s.2: “depois postarei um texto sobre a segunda novela do volume 1, já lida, “O Baile de Sceaux”. E, um texto especial sobre o romance, A mulher de trinta anos, que faz parte do terceiro volume, mas que li à parte, por se tratar de obra fundamental da Literatura Ocidental. Quem nunca ouviu ou leu a expressão “a mulher é balzaquiana”, quando a mulher atinge a faixa etária dos trinta anos?”

P.s.3: “nos próximos posts tentarei colocar algumas citações de teóricos e críticos literários especialistas em Balzac, como o citado Ronái.”.

P.s.4: “vale ressaltar, por fim, que o romance moderno se esgotaria, no fim do século XIX, quando surge uma obra ímpar e desafiadora, em sete volumes, Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, que começa a definir o que seria o romance pós-moderno que apareceria de fato nos anos 1960 do século XX e que marca nossa contemporaneidade, até os dias atuais.

Em Proust, têm-se outras características, para serem debatidas em outro artigo, questões ligadas ainda ao Simbolismo, às vanguardas modernistas do início do século XX e ao próprio romance moderno, mas já apontando rumos que depois seriam tomados pelos próprios modernistas de meados do século XX, alguns ainda do fim do século XIX para o início do XX, como o próprio Proust. Já que sua Obra foi publicada, no decorrer de muitos anos, espaçadamente, e, alguns volumes, postumamente - organizados por ele em via ainda, mas que foram editados através de manuscritos e instruções deixadas por ele a seus familiares, vindo à edição após a sua morte.

Vale ainda ressaltar, por fim, que tivemos ainda como obras desafiadoras e rompedoras dos paradigmas do romance moderno, por exemplo, a epopeia moderna Ulysses, de Joyce.”.  




“Bem, fiquemos por aqui, muita coisa para pensar, discutir, debater e, principalmente, ser lida por todos nós. Aos poucos, vou publicando sobre as minhas impressões de cada leitura que eu fizer, fica a minha promessa.”